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DISCURSO DE RECEPÇÃO DE ANTONIO PENTEADO MENDONÇA A JOÃO LARA MESQUITA
Acadêmico: Academia
João é múltiplo, irrequieto, inconformado. joão Lara Mesquita acredita que a missão do ser humano é, dentro do seu espaço, tentar fazer o mundo um lugar um pouco melhor, porque sabe que as sociedades podem ser menos desiguais e mais justas.


RECEPÇÃO DE JOÃO LARA MESQUITA
NA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
- 30.06.2022 -

Receber João Lara Mesquita na Academia Paulista de Letras é um privilégio e uma alegria.

João e eu somos primos e, mais do que primos, crescemos juntos, nas ruas do Pacaembu, na fazenda de Louveira, no “Albardon”, o barco de seu pai, tio Ruy, e nas quebradas da vida - antes da “Rádio Eldorado”, durante a “Rádio Eldorado” e depois da “Rádio Eldorado”. São mais de sessenta anos de uma sólida amizade.

Seria fácil lembrar histórias de nossas vidas, aventuras de todos os tipos, mais complicadas e menos complicadas, mas isso é conversa para nossas reuniões das quintas-feiras, em volta da mesa do segundo andar, onde os acadêmicos se reúnem, como diz nosso presidente, para “praticar a boa convivência”.

Hoje, cabe falar do João Lara Mesquita que foi eleito para substituir Zuza Homem de Mello na Cadeira Número 17 da Academia Paulista de Letras, que tem como patrono Júlio Cesar Ribeiro. Então, devo falar do homem com uma história especial e uma vasta experiência em diferentes atividades e cenários.

João é múltiplo, irrequieto, inconformado. Acredita que a missão do ser humano é, dentro do seu espaço, tentar fazer o mundo um lugar um pouco melhor, porque sabe que as sociedades podem ser menos desiguais e mais justas.

Uma vez, quando éramos meninos, na piscina da fazenda de Louveira, tio Ruy disse uma frase que marcou para sempre meus primos e eu. Ele disse mais ou menos o seguinte: “Tem gente que nasce com a obrigação de pagar e tem gente que nasce com o direito de exigir”.

Dita para meninos sem muita noção da vida, é uma frase brutal. Mas ela é essencialmente verdadeira.

Num país como o Brasil, com as desigualdades e injustiças de nossa sociedade, nascer como nascemos, nitidamente privilegiados, pela família, pela educação, pelas ligações e pelas oportunidades, devolver um pouco do que recebemos faz todo o sentido. Pensar um Brasil melhor torna-se quase que uma obrigação e agir para isso faz parte da vida.

Faz tempo que João Lara Mesquita segue sua estrada acreditando que é possível fazer do nosso país um lugar mais humano, ecologicamente correto, justo e saudável.

Tem gente que faz sem saber por quê. Tem gente que faz por fazer. E tem quem faz porque quer. Ao longo da vida, João fez, faz e fará, até o impossível, porque quer. Não pra ficar bonito na foto, mas porque acredita que é o que deve ser feito. É importante fazer bem-feito, mesmo sendo impossível. E fazer bem-feito para ele é, por exemplo, depois de naufragar na Antártida, no ano seguinte retornar e tirar seu barco, o “Mar Sem Fim”, do fundo mar sem poluir a região.

A primeira vez que vi João em ação “quase” profissional foi num distante Natal, em que ele levou o coral que havia criado para cantar nas ruas de Itu.

Depois, ele foi para Nova Iorque estudar música. João morou alguns anos lá. E seu aprendizado foi muito além da música.

A música e Nova Iorque entrelaçam as semelhanças e afinidades entre ele e seu antecessor na Cadeira 17, o nosso querido Zuza Homem de Mello, um dos maiores especialistas em música e história da música, com sólida obra internacionalmente reconhecida.




Em Nova Iorque, João estudou regência e clarineta. Mas ele não viveu só música, experimentou muito mais. Por exemplo, ele e eu estivemos, numa noite muito louca, no então mais do que famoso “Studio 54”, a discoteca que marcou época na década de 1970.

Mas quem imagina que sua estadia lá foi só festa está enganado. João teve a rara oportunidade para um brasileiro de, na década de 1970, morar fora do país, mas seu tempo em Nova Iorque não foi tão fácil assim, o que foi bom porque lhe deu a experiência e a fibra para enfrentar os desafios que viriam depois.

De volta ao Brasil, entre 1982 e 2003, foi o “João Lara”, diretor da “Rádio Eldorado” e do “Estúdio Eldorado”, pertencentes ao “Grupo O Estado de S. Paulo”, cujo carro chefe é o jornal, fundado por um grupo de republicanos, entre eles o tataravô, Cerqueira Cesar, e depois comprado, expandido e consolidado pelo bisavô, Julio Mesquita – me desculpem os parentes que não concordam, até hoje, o maior e o melhor jornalista da família.

João revolucionou a “Rádio Eldorado”, transformando-a numa das principais e mais dinâmicas emissoras de São Paulo. Sob sua direção a “Rádio” remoçou, se modernizou, ganhou velocidade e desenvolveu um jornalismo direto e confiável, que se tornou sua marca registrada e lhe valeu o apelido de “Rádio Cidadã”.

Entre suas ações à época está o repórter aéreo, que mudou a forma de informar sobre o trânsito, transmitindo em tempo real da cabine de um helicóptero para auxiliar os motoristas; e a campanha pelo fim da obrigatoriedade da Voz do Brasil.

Vale ainda destacar a cobertura de outros esportes, além do futebol, área em que João inclusive trabalhou como repórter, transmitindo as competições sob o pseudônimo de J. Moske. Entre elas, transmitiu o Rally Paris/Dakar, no qual, numa das edições, o carro em que ele estava capotou durante a prova.

À frente da “Rádio Eldorado”, ele entrou de cabeça numa das grandes encrencas ambientais do Estado de São Paulo: a despoluição do Rio Tietê. Através da “Rádio” promoveu um abaixo assinado que recebeu mais de um milhão de assinaturas e que, entregue ao governador, resultou no início dos planos e obras até hoje em andamento de despoluição dos rios Tietê e Pinheiros.

Na sequência, ele apoiou o “Projeto Pomar”, criado por seu irmão Fernão, à frente do “Jornal da Tarde”, que resultou na recuperação das margens dos dois rios.




Na música, João, à frente da “Rádio” e do “Estúdio Eldorado”, criou o Prêmio “Eldorado de Música”, responsável pelo lançamento de alguns dos maiores nomes da música clássica nacional, como Celine Imbert e Roberto Szidon.

Ao mesmo tempo, através do “Selo Eldorado”, fez uma ampla pesquisa da música brasileira, especialmente dos ritmos regionais, apresentando ao Brasil profissionais maravilhosos, como Helena Meireles, até então praticamente desconhecidos do grande público. Como se não bastasse, lançou Daniela Mercury e resgatou o incomparável Raul Seixas.

No campo da preservação do meio ambiente, onde tem destacada e reconhecida atuação, João é membro fundador (e Conselheiro) do Núcleo União Pró Tietê, ligado à Fundação SOS Mata Atlântica, ONG que desde 1990 comanda a campanha pela despoluição do Tietê. Além disso, foi Conselheiro do Greenpeace de 2001 a 2004 e, entre 2014 e 2016, foi Conselheiro da CI- Conservation International.







Primeiro foi o mar, selva noturna
Com solidões de estrelas na manhã:
Houve ramos de sal sobre saudades
E folhas transparentes de lembranças.

Primeiro foi o mar, terra perdida
Na oscilação dos vales e montanhas,
Houve marcos plantados em salsugem
E fronteiras na espuma descoberta.

Os versos de Paulo Bomfim cantam a caminhada do João pelos Paeabirus da vida.

Quem já esteve no promontório de Sagres e olhou o mar se estender até o horizonte pode imaginar os sentimentos do Infante D. Henrique, sozinho, contemplando do alto ermo a imensidão atlântica. Sua angústia diante do oceano, a necessidade de conhecer seus segredos, descobrir o que tinha depois do fim do mundo e marcar com os padrões portugueses as novas terras a serem descobertas.





De sua férrea vontade nasceram as revolucionárias caravelas e as naus, tripuladas por homens extraordinários - Cadamosto, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Cabral e tantos outros que se seguiram e, já no século 16, mapearam nossa costa e se embrenharam terra à dentro.

O João, navegante do “Mar sem Fim”, é o continuador da saga portuguesa em águas e terras brasileiras. Nos dias de hoje redescobre, plota e mostra um litoral maravilhoso, sua gente, hábitos e embarcações. E também suas mazelas.

João é um dos maiores conhecedores da “Amazônia Azul”, o imenso e rico mar territorial brasileiro. Em sua saga com o objetivo de conhecer, proteger e mostrar nossa costa, navegando em dois “Mar Sem Fins”, João realizou duas séries de TV que a mapearam de ponta a ponta, do Oiapoque ao Chuí e do Chuí ao Oiapoque.

Através de seu site “Mar Sem Fim” - um sucesso de público que recebe mais de quinhentos mil acessos por mês - ele expõe e discute a realidade nem sempre bonita de nosso litoral e mostra o que acontece nos mares do planeta, com ênfase na necessidade de interrompermos as ações responsáveis pela degradação dos oceanos, o empobrecimento da vida marinha e as ameaças cada vez mais sérias para o futuro do ser humano.

João é autor, entre outros, dos livros “O Brasil Visto do Mar Sem Fim”, “Embarcações Típicas da Costa Brasileira”, “Eldorado, a Rádio Cidadã”, além de centenas de artigos e reportagens.

Filho do jornalista Ruy Mesquita, um dos maiores nomes da nossa imprensa no século 20, responsável pela criação do “Jornal da Tarde” e pela revolução que mudou a forma de se fazer jornal no Brasil, e de Laurita Mesquita, descendente de sertanistas que tiraram uma parte do nosso território das selvas e dos espanhóis;

Neto de Júlio de Mesquita Filho, um dos grandes nomes da história republicana nacional, líder da Revolução de 1932 e da resistência à ditatura de Getúlio Vargas, idealizador e criador da Universidade de São Paulo e membro desta casa;

João Lara Mesquita tem dois filhos, Luiz e José, e é casado com Ana Maria de Carvalho Pinto. É no convívio com eles que encontra forças e recarrega as baterias para tocar em frente e seguir sendo uma pessoa especial - íntegro, corajoso, discreto, amigo dos amigos e consciente de que não é no grito que se ganha o jogo.





Na luta da vida, João segue na sua busca pelo bem, se batendo contra o atraso e a mediocridade para fazer o Brasil um país melhor, mais justo e mais lúcido, acima de tudo mais consciente da importância da preservação do meio ambiente para garantir e melhorar a qualidade de vida de nossa população.

No dia a dia, João - o nosso João - é um amigo querido dos amigos, leal, inteligente, divertido, companheiro, dono de um senso de humor privilegiado, que gera sacadas geniais e que fazem estar com ele ser sempre muito bom.

Seja bem-vindo, João Lara Mesquita! A Academia Paulista de Letras abre suas portas e se engrandece com a sua chegada.

São Paulo, 30 de junho de 2022.
Antonio Penteado Mendonça





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