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Acadêmico: Gabriel Chalita Artigo do Acadêmico Gabriel Chalita publicado no jornal Diário de S. Paulo, dia 24 de abril.
Estava sentando em um parque, lendo, aguardando uma amiga. Uma criança veio correndo em direção à mãe, chorando. Mostrou-lhe o dedo. Ferido por um espinho, talvez. Foi pegar alguma coisa e pegou o espinho. Sangrava o dedo do menino. A mãe o abraçou. Pegou um guardanapo de papel e limpou o sangue. Doeu. O menino reclamou. O sangue ainda jorrava. Vagarosamente, mais jorrava. Não houve corte profundo. O dedo não correria riscos. Mas o menino chorava. E a mãe o acolhia. Estancado o sangue e o choro, a mãe disse que era melhor fazer um pequeno curativo. E que logo ficaria bom. "Logo, quando?" - perguntou o menino. "Logo mais" - disse a mãe. "Logo mais que horas?”. "Calma filho, não foi nada". A criança parecia impaciente. Queria saber o tempo da cicatrização. Queria brincar. Queria ficar livre dos troços que a mãe colocara no dedo para evitar que o sangue voltasse a escorrer. "Se eu ficar bonzinho, melhora mais rápido?”. A pergunta parecia ser uma promessa, uma disposição para antecipar as coisas. A mãe respondeu sorrindo: "Você é bonzinho, mas, para fazer uma pele nova no seu dedo, é preciso um tempo, meu filho, não há como acelerar isso". "E por quê?" "Por quê? Como por quê?" "Quem é que inventou que precisa de um tempo para melhorar meu dedo"? A mãe viajou com o pensamento. Pude ver nitidamente isso no seu sorriso sem maquiagem. Ficou pensando. Sorriu novamente. E abraçou o filho que ainda aguardava uma resposta. Como seria bom se dominássemos o tempo. O tempo nos ensina que é o tempo que domina o que quer. Machucados no dedo ou cicatrização na alma. Quedas na rua ou ruas de solidão construídas por escolhas erradas. Há um tempo, o qual chamamos tempo da inocência, que é difícil entender o tempo. Mas, depois, vem um outro tempo. E, confesso, continua difícil. Dizem que os orientais entendem o tempo melhor do que os ocidentais. Não tenho tanta certeza, mas acredito que sim. Pelos livros que li. Pelas teorias construídas por seus filósofos. Pelos filmes que tem uma outra relação tempo e movimento. Era um dia de sol aquele no parque. Ao longe, vi minha amiga caminhando lentamente. Ela tem muito tempo de vida. E o aprendizado que é melhor tomar cuidado, porque o tempo da cicatrização de alguma quebradura, de alguma queda, pode lhe roubar bons momentos de prazer. Como o de encontrar um amigo no parque e conversar sobre o tempo. Contei a ela o diálogo entre a mãe e o filho. E ela me respondeu: "Alimento-me desses cotidianos, gosto das gentes". E prosseguiu: "Gasto tanto tempo com essas incursões que não me sobra tempo para envelhecer". Fiz a ela a pergunta da criança: "Quem inventou o tempo do ferir e o tempo da cicatrização?". Ela pediu que eu lhe desse um tempo para responder. Vivia ela o tempo das aprendizagens. Naquela idade. Foi quando vimos a mãe e o filho indo embora. De mãos dadas. Ela olhando para a frente e sorrindo. Estava, decididamente, feliz. Ele resmungando alguma coisa com o seu dedo. Desejei dar um abraço nos dois. Olhei para minha amiga e prossegui ouvindo suas histórias. Prepara ela um novo livro. Sobre o tempo. Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 24/04/2016. voltar |
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