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QUEM DEVE CUIDAR DAS ÁRVORES?
Acadêmico: José Renato Nalini
São Paulo ganharia em qualidade se multiplicasse o número de suas árvores

Quem deve cuidar das árvores?

Se eu fizer essa pergunta, praticamente todas as pessoas responderão: “A Prefeitura”. Pensam nas árvores das vias públicas, que chegam a quase 700 mil na capital. Mas será que isso é verdade, ao menos quando se analisa a realidade arbórea paulistana?

Vive-se uma era de direitos. Exacerbada pela Constituição da República, que além dos cinco bens da vida fundamentais no caput do artigo 5.º, fez uma longa enunciação de outras 78 irradiações desse dispositivo. Ainda incluiu parágrafos tornando ilimitado o acesso à tutela fundante de qualquer direito que venha a ser inventado.

Por isso a exigência uníssona de que o Poder Público se responsabilize por todas as pretensões, atenda a todas as demandas, sem recordar que ele é apenas o coordenador da ação estatal e que trabalha com o dinheiro do contribuinte. Ou seja: recursos escassos, para demandas infinitas.

Uma cidade precisa de árvores. Plantar árvores, diz o cientista José Goldemberg, é a tecnologia mais eficaz e eficiente de que se dispõe. Também a mais fácil de se realizar e a menos dispendiosa.

Os serviços ecossistêmicos prestados pelas árvores são incalculáveis. Sequestram carbono e expiram oxigênio. Regulam a temperatura, que é de cinco a dez graus menor em regiões arborizadas. Permitem que haja sombra e acolhimento para a fauna silvestre, sobretudo os pássaros. Propicia a infiltração da água que vai reabastecer os lençóis freáticos e ameniza a não remota crise hídrica sempre no horizonte.

Houvesse uma consciência ecológica madura, seria a população a assumir o encargo cívico de plantar mais árvores. E de pedir ao Poder Público que intensificasse o plantio e também a zeladoria da cobertura arbórea.

Não é o que acontece. Há inúmeros pedidos de remoção e poda, poucos de reposição de árvores abatidas. As críticas são exacerbadas quando caem exemplares com as tempestades, principalmente quando resulta no lastimável evento morte, ou se registram prejuízos materiais.

A legislação deveria permitir que o proprietário plantasse e se responsabilizasse pela árvore diante de sua casa. É de difícil consecução a metodologia das podas, principalmente considerada a dúplice atribuição que torna tanto a Prefeitura como a Enel, concessionária de energia elétrica, as responsáveis pela tarefa. É urgente desburocratizar esse processo, para que se possa multiplicar a atuação dos dois órgãos.

Antes da consciência ecológica mais disseminada, houve utilização de espécies exóticas, que não seriam as mais apropriadas para as ruas paulistanas. Mas esses exemplares estão com o seu prazo de validade vencido. A cada chuva forte, algumas delas tombam.

Precisam ser substituídas por espécies nativas e há inúmeras disponíveis. São Paulo precisa de grandes árvores, que produzam sombra e amenizem a temperatura, que sejam adequadas à situação da megalópole. Já existe um Manual Arbóreo elaborado por técnicos e a multiplicidade de espécies contidas na exuberante biodiversidade de nosso bioma garante que a cidade ficará muito bem servida.

Também é conveniente recordar que a fiação subterrânea, embora mais dispendiosa, eliminaria esse confronto entre árvore e fio elétrico, fator de desgaste no relacionamento entre a Administração Municipal e a concessionária, e no desconforto da população, que é vítima dos equívocos praticados, como as podas mutiladoras.

A educação ambiental deveria investir na inversão da tendência hoje predominante, que é a população resistente à arborização. Árvore quebra a calçada, árvore deixa cair folhas, árvore serve de esconderijo para bandido. É falaciosa essa versão. Árvore é vida. Em 2025, ano da COP-30, São Paulo quer dar o exemplo de multiplicar sua cobertura arbórea.

A capital paulista já faz bonito no cenário internacional, depois de ter recebido, pela quarta vez consecutiva, o certificado de “Cidade Árvore do Mundo”, da Arbor Day Foundation e da ONU. Uma avaliação feita por pesquisadores indica a existência de quase 90 milhões de árvores em todo o território paulistano. Mas ainda existem áreas desprovidas de árvores. Estas merecem o empenho da municipalidade, mas também da coletividade. Pode-se avaliar o grau civilizatório de uma cidade, a partir do respeito e consideração que a ela devotam os seus moradores.

Não são apenas as escolas que devem propiciar cursos para a formação de “guardiões arbóreos”, cidadãos que se interessem pelo cultivo e pelo cuidado que a árvore deve merecer, legítima retribuição dos humanos aos serviços ecossistêmicos e gratuitos que ela oferece. Também os clubes de serviço, a Academia, as entidades, as empresas, o comércio, os grupos que já existem para outras finalidades.

Um setor que poderia fazer a diferença é o da construção civil. A metrópole está inundada de novos edifícios e não se vê destinação de qualquer área desses novos empreendimentos para acolher um conjunto arbóreo. São Paulo ganharia em qualidade se multiplicasse o número de suas árvores. Quem deve cuidar das árvores são todos os que desejam uma cidade mais verde, mais saudável e mais bonita.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião, em 20 10 2025



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