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OS FILHOS DE ABRAÃO
Acadêmico: Gabriel Chalita
Os filhos de Abraão vêm de uma promessa. De uma descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu e as areias do mar.

Os filhos de Abraão

Em uma viagem - fazemos muitas viagens na viagem que é a vida -, encontrei uma mãe sem filho. O filho morreu na guerra dos irmãos. Entre lágrimas, ela disse: "Mas não somos todos filhos de Abraão?”.
Fui ouvidos.

"Pelo resto da minha vida, ele vai crescer em mim. Como cresceu antes de conhecer o mundo feio dos filhos de Abraão".

Dizer que o mundo era também lindo em meio àquela dor não aliviaria nada. Silenciei. Fomos dizendo dos aniversários. Disse que desejará ‘boa noite’ de uma noite que não terminará. Que dirá ‘bom dia’ de um dia que não será bom.

Não sei a idade que tinha o filho daquela mulher, sei que não tinha a idade de morrer. Aquela mulher, entre palavras e silêncios, entre relatos e pensamentos parecia ter feito a escolha correta. A impossível escolha de não alimentar raiva. Os dizeres eram de tristeza, da poética tristeza de uma vida sem vida.O filho, o presente de Deus, voltou para Casa. O filho, o presente de Deus, será sempre presente nela, na sua memória, no seu sentimento de mãe.

Os filhos de Abraão vêm de uma promessa. De uma descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu e as areias do mar. Os judeus que cantam Shalom Adonai são filhos de Abraão. Os cristãos que oram ao Pai que está no Céu e que dão as mãos são filhos de Abraão. Os muçulmanos e seus chamados à oração, várias vezes ao dia, são filhos de Abraão. Filhos que peregrinam.

Judeus, cristãos e muçulmanos cantam cânticos de amor, jejuam e fazem caridade. Sem caridade, somos nada. Com caridade, somos os filhos de Abraão sem os intrusos dos enganos.

Nos tempos de Abraão, havia uma promessa. Havia Sara, a mãe de Isaac, o filho de Abraão. Havia um horizonte a ser percorrido e preenchido de vida, não de morte.

As religiões têm os seus livros sagrados. São livros de amor. O que houve, então, com os religiosos? Os que ordenam as mortes leem os livros sagrados, pensam sobre os sagrados ensinamentos? Os que propagam os ódios lembram o pai, tão obediente a Deus?

Os ódios não se dão apenas entre as religiões, mas dentro delas, também. Os falsos poderes, porque quem compreende as religiões sabe que o poder legítimo vem do Alto, reescrevem com letras não sagradas o que são obrigados a fazer os seguidores dos filhos de Abraão.

Aquela mãe era dor. Mudou de região, de cidade, de mundo até. Nos olhos, cabia o infinito. As palavras, que explicavam a história do dia mais infeliz do seu mundo, eram doces. Sem desejos de vingança. Com o sonho de que um dia outras mães não precisem enterrar os seus filhos.

Não fiz muitas perguntas, fui ouvidos, como disse. Ouvidos, no plural. No mundo plural dos filhos de Abraão. Por que a convivência é tão pouco humana? Talvez porque não seja a religião o motivo das matanças. Talvez porque as guerras nunca sejam por pessoas, mas por coisas. Por posses. Por faixas. Por terras. Por valores que nascem dessas terras.

Valores? Desconhecem os filhos que ordenam as guerras que o valor mais nobre é a vida. E que, no valor da vida, a insensibilidade diante de uma mãe que chora o seu filho é a morte da humanidade inteira.

Nos despedimos antes da minha partida. Ela agradeceu os ouvidos. Os ouvidos são pedaços de atenção que nos unem aos nossos irmãos, aos filhos de Abraão e aos outros. Porque há partes da humanidade com outras crenças, também. Da mesma humanidade de que nós fazemos parte. Será que um dia saberemos ouvir? Será que um dia os valores humanos serão mais valiosos que os outros valores?

Publicado em O Dia, em 21 09 2025



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