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![]() | ||||
![]() Acadêmico: Gabriel Chalita O que vou dizer é repetir Dolores, "Deixa ir". O silêncio costuma arrumar as vozes.
Deixa ir Ainda nem é setembro e um vento venta a mangueira da casa do José Maria. Eu, sentado, aguardo. As folhas vão indo embora com o vento. Enquanto ele não vem, vem Dolores. Arrastando o chinelo e um resto de desânimo pelo dia anterior. No dia anterior, Valéria se foi. Dolores resmunga: "Deixa ir", enquanto, com uma vassoura, vai recolhendo as folhas de voo baixo. Pergunta se eu quero café, digo que não precisa. Ela não insiste. Ouço uma conversa por dentro: "Deixa ir". Há algumas mangas ainda aguardando o tempo. O tempo muda as estações, muda os humores, muda o quente e o frio da vida. O tempo faz a tristeza se cansar. A tristeza de José Maria um dia cansa. Valéria não quis mais. Voou como folha que venta alto. Os dois eram caprichosos um com o outro. Depois, cada um ficou caprichoso consigo mesmo. Os dois se esqueceram de que a chuva sozinha não dá conta de crescer a plantação. Os cuidados se desviaram, começaram a se desviar das arrumações. E, no intervalo entre o dia luminoso e a noite, que ninguém precisa convidar para vir, Valéria decidiu o decidido. Ele pediu que eu viesse para uma conversa. Conversamos antes algumas vezes e eu dispensei outras de prosseguir por ver os ditos ausentes de delicadezas para ela. Cansei de ouvir que ele estava cansado, que queria outra, mais do jeito que ele queria. Ela também deve ter cansado. Ele corrigia quando eu o corrigia dizendo gostar de brincar. O brincar é leve como essas folhas que voam. Se não, não é brincar. Se doem, não é brincar. Dolores resmunga alguma coisa em proteção ao José Maria. Eu comento do lamento. Ela disse que ela não poderia ter feito isso com ele. Que não faltava nada. Eu ofereço uma dúvida, talvez ela sentisse falta, talvez ela pensasse... Dolores interrompe, "Ela não tinha nada que pensar". E volta a resmungar. Não sei o que ele quer me dizer. Valéria é também minha amiga. Quando se conheceram, ele a chamava de flor. Seu nome é nome composto, que ela não gosta, Valéria Rosa. De flor, ela gostava de ser chamada. Eu poderia descrever várias cenas dos inícios. E poderia, também, dizer das pétalas da alma de Valéria caindo baixo, quando da primeira notícia da primeira amante de José Maria. Ele parecia querer que os outros soubessem, ele parecia precisar que os outros soubessem. Ela o perdoou doído. E perdoou a segunda vez. Ele propalou que um homem com amante trata melhor a mulher. Eu desdisse o dizer e sugeri que ele, então, sugerisse a ela que também tivesse o seu. Ele se irritou comigo e, há algum tempo, nos esfriamos. José Maria sempre teve a compreensão da mãe para os assuntos do amor. O pai desaconselhava as rudes brincadeiras. A mãe o aplaudia. E também Dolores, que nunca gostou de Valéria nem de ninguém de quem José Maria gostasse. Gosto de olhar a mangueira e de ver o vento terminando agosto. E gosto de Dolores com suas crenças e implicâncias. Valéria decidiu, partida, partir. Mas decidiu dar a si mesma um outro lugar para florescer. Poderia ter sido diferente? Não sou profeta dos "talvez". Se tivessem feito isso, teria dado naquilo? Se não tivesse sido tão desagradável? Quem sabe? O que se sabe é que já foi. O que vou dizer é repetir Dolores, "Deixa ir". O silêncio costuma arrumar as vozes. E, amanhã, é setembro. E, em setembro, o que parecia morto viverá novamente, primavera. E vou dizer, sem dizer, como diz a mangueira, que diz sendo, quando faz crescer a manga sem exigir que ela seja sua para sempre... a mangueira nunca maltratou ninguém. Publicado em O Dia, em 31 08 2025 ![]() ![]() |
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