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MORRERAM AS ROSAS
Acadêmico: Gabriel Chalita
Depois da morte da senhora, depois da janela fechada, morreram as rosas. 

Morreram as rosas

Depois da morte da senhora, depois da janela fechada, morreram as rosas. 

As rosas ficavam no beiral da janela. A mulher, há algum tempo, padecia de saúde. Eram poucas as vezes em que as rosas eram aspergidas por ela. No restante, o alimento vinha da natureza. As chuvas, o sol, o voar delicado de asas, de bicos beijadores, de encontros que só quem silencia percebe. 

O silêncio foi total e a amiga da minha amiga morreu. Foi ela quem me trouxe o relato. Morreram as rosas. Foi dizendo com um certo encantamento pelo belo do mistério. No dia seguinte do corpo ter voltado à terra, voltaram as rosas, também. 

Sou atento aos temas da vida e mais ainda aos que transcendem a vida que conhecemos. Quis mais. A mulher, que agora é terra, que agora é céu, que agora é o que não sabemos, era fazedora de bondade. Viveu a vida sabendo que da vida só se leva o que vivemos. Viveu a vida sem os arroubos do poder e sem os exibicionismos da inteligência. Foi uma mulher de sabedoria, disse minha amiga.

Sabedoria. Como gosto dessa palavra. É no vasculho dos conhecimentos dos outros e no silêncio dos meus próprios que consigo a compreensão de seu significado. Discordo dos que comparam inteligências. Divirjo dos testes que promovem hierarquia dos que têm mais ou menos. Não é porque um faz contas mais rápidas que é mais inteligente. Não é porque outro decora mais textos que é mais inteligente. Ou que tem mais estudo. Ou que amealhou mais bens. Ou que fala melhor. Esses pequenos sucessos são consequências de estímulos, de oportunidades, de desenvolvimentos do que há dentro das gentes. 

Sabedoria é mais profundo. É entender a inteligência e a sua beleza na melhoria da vida. É escolher a vida, quando distrações parecem mais doces. Doce é viver, mesmo sabendo da morte. Ou porque sabemos da morte. E sabemos que tudo é um desabrochar e um recolher. 

Relação semelhante se dá entre o poder e a felicidade. O que é o poder sem a felicidade? O que é o poder quando nem o sono aceita permanecer? O que é o poder sem a paz? Como disse, sou atento aos temas da vida e, atento que sou, observo os que se sentem plenos de poder. Observo suas tormentas, seus nervosismos, seus medos inclementes de perder o poder. 

O que é o poder se a morte está logo mais? O que é o poder se há mais de uma morte?A amiga da minha amiga que morreu, viveu uma vida de paz. Foi o que eu soube.

Sentados em uma mesa de calçada, em uma padaria, ela foi dizendo da amiga. Dos filhos. Do cuidado na educação. Da morte do marido. Das obras de amor. De uma ajuda que dela recebeu. Disse e chorou dizendo nunca se esquecer, "E foi há tanto tempo". Fiquei pensando no tempo e no que fazemos dele. E voltei ao tema das rosas, das rosas que vivem tão pouco. E ela voltou ao mistério, morreram as rosas. 

E eu fiquei imaginando a amiga da minha amiga chegando ao lugar que não é lugar, penso eu, levada por rosas. Lembrei das rosas de Santa Teresinha. Do seu sonho de uma chuva de delicadezas para acalmar o poder e a inteligência humana. 

A morte da amiga da minha amiga como todas as mortes é ensinadora.E, também, as rosas. E, também, um café em uma padaria e a fumaça subindo com sua quentura e dizendo que os encontros nos elevam.

Publicado em O Dia, em 25 08 2025



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