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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Esse homem paradoxal, verdadeiro polímata, era duro no seu ofício, terno ao se relacionar com alunos e com pessoas frágeis. Tinha também a vocação de patriarca. Orgulhava-se da família numerosa. Ao ser indagado sobre quantos filhos tinha, respondia: - “Para mais de vinte!”.
Intuição & crendice O crítico Silvio Romero era uma personalidade singular. Austero ao analisar obra alheia, era condescendente com seus amigos. Assim com o Barão de Tautphoeus, aquela misteriosa figura mista de sábio e conspirador político, de quem Joaquim Nabuco disse em “Minha Formação”: “falava de um modo uniforme, sem ênfase, sem colorido, sem expressão mesmo, mas era um jorrar sem fim de ciência, de erudição, como se naquele mesmo dia tivesse estudado e apreendido todo o assunto”. O Barão fora expatriado da Baviera e aqui se radicou. Monarquista convicto, não hesitou, por ocasião do golpe republicano, durante o desfile das tropas do General Deodoro, gritar: - “Viva a Constituição do Império!”. Silvio Romero era grande admirador dessa figura. Depois de sua morte, ao referir a ele dizia: “O Barão foi-nos mandado pela Providência É incalculável o benefício prestado por ele a várias gerações de brasileiros”. Tamanha a veneração cujo alvo era Tautphoeus, que chegou a ter um pressentimento sobre sua morte. - “Tive aviso de sua morte. Acorri, mas já o achei sem fala. Também só tive outro aviso de morte até hoje em minha vida: o de Tobias Barreto. Ouvi um baque pesado no meu quarto, mas nada vi. Tomei nota do fato, registrando a hora. E recebi depois a notícia de que, exatamente naquele instante, havia morrido o maior filósofo que o Brasil já teve!”. Já quando não gostava de alguém, era melhor sair de perto. Um dia, Silvio Romero recebeu a visita de Artur Guimarães. Surpreendeu-se o amigo ao ver Silvio entretido na leitura de um livro de Joaquim Manuel de Macedo. Era o material necessário para um estudo sobre a personalidade literária do criador de “Moreninha”. Interrompendo a tarefa, comentou com Artur: - “Quer saber de uma coisa? O Macedo é escritor muito mais sério do que eu supunha!”. Para provocar o escritor desabusado, Artur Guimarães perguntou: - “E o que você acha de Machado?”. “Não é gente!”, replicou Silvio. Um juízo sumário que não admitia contestação. Duro para com os companheiros, estes não eram menos sarcásticos em relação a ele. Frequentemente atacado, por fogo amigo ou por hostilidade aberta contra as campanhas em que se empenhava com todo o ardor de seu entusiasmo, Silvio Romero preferia não ler mais, para não se irritar, os golpes arremetidos pela imprensa. E confessou a um amigo: - “Prefiro ignorar o mal que dizem de mim. Ao menos não me aborreço com injustiças e disparates!”. Fez uma pausa e acrescentou: - “Mas reconheço que é inútil querer ignorar o mal que dizem de nós: há sempre uma “alma caridosa” que vem logo nos contar. A verdade é que uma parte da humanidade tem prazer em desfechar más notícias. E é raro encontrar quem nos venha trazer as que nos alegram e confortam!”. Esse homem paradoxal, verdadeiro polímata, era duro no seu ofício, terno ao se relacionar com alunos e com pessoas frágeis. Tinha também a vocação de patriarca. Orgulhava-se da família numerosa. Ao ser indagado sobre quantos filhos tinha, respondia: - “Para mais de vinte!”. Nada obstante, era perseguido pelo temor da morte. Resolveu, certa feita, consultar o quiromante e frenólogo Viremont, para saber o futuro que o aguardava. Ao fim da consulta, o adivinho proferiu seu vaticínio: - “Dos sessenta e cinco aos setenta e cinco anos, sereis chefe poderoso e vereis vossos inimigos baterem em retirada. O grupo dos vossos discípulos, unido e forte, cerrará fileira glorificando-vos!”. Só que aos sessenta e três anos, para contrariar a generosa previsão de Viremont, o coração do mestre, que de vez em quando o angustiava com as suas arritmias, deixou de bater. Pouco antes de morrer, Silvio Romero sintetizou os muitos desencontros de seu destino: “Passei pela política, sem nunca ter feito política; passei pelo jornalismo, sem nunca ter feito jornal; passei pelas letras, sem nunca ter vivido delas; formei-me em direito e nunca advoguei. Reputo isto um bem, conquanto tivesse sido um mal: um bem, pela autonomia de pensar e pela relativa independência econômica, que a minha enxada de professor sempre me assegurou; um mal, porque sem jornal, politicagem e advocacia, não se tem força, nesta terra, e viver de livros seria condenar a família a morrer de fome”. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 07 2025 ![]() ![]() |
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