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A VERDADE VERDADEIRA
Acadêmico: José Renato Nalini
No dia em que houver o encontro das verdades e só a verdadeira preponderar, então o Brasil poderá retomar o rumo do verdadeiro desenvolvimento

A verdade verdadeira

Li há pouco que “a respeito da verdade, é preciso considerar a minha, a do outro e a verdade verdadeira”. Regra real em tempos de narrativas e fake news. E cada vez mais séria, quando se constata a situação econômica do Brasil. O gigante adormecido não quer acordar. Há tempos se alerta para o descalabro dos gastos inúteis, para o custo do equipamento estatal e para o aprofundamento de uma desigualdade que nos envergonha a todos.

O Brasil envelheceu antes de ficar rico, ao contrário da Europa, onde a queda demográfica chegou com a velhice amparada por consistente estrutura protetiva. A população em idade ativa — a força de trabalho — decresce enquanto a medicina e a indústria farmacêutica permitem que os idosos vivam mais.

A produtividade reflui, enquanto a educação decai. Enquanto a China investe em física, matemática, engenharia, química, o Brasil insiste na criação de escolas que não costumam acrescentar oportunidades propícias a empreendimentos e a criar bens que atualizem a nossa indústria anacrônica.

Os cientistas brasileiros são chamados a atuar nos grandes centros internacionais, porque aqui não há incentivo para eles. Nem se diga que a escalada em ritmo de cágado evidencia melhora no sistema de ensino. O que ocorre é que os poucos pontos de avanço da educação brasileira decorrem do ingresso de países ainda piores que o nosso no ranking.

Prolifera a informalidade porque o regime trabalhista não acompanhou o desenvolvimento mundial. A juventude tem uma escola que não encanta, que não seduz e que não fideliza. Basta verificar a multiplicação de bares em torno dos estabelecimentos de ensino. Dentro, salas ociosas; fora, o fervilhar de moços que encontram mais atrativos na conversa e troca de ideias do que no aprendizado.

Em lugar de se valer do potencial da tecnologia da comunicação, prefere-se abolir o uso de celular durante o período de aulas, sem convertê-las em algo capaz de manter a atenção de uma geração que se acostumou com a instantaneidade, o colorido, a musicalidade e a criatividade do mundo web. Nunca foi tão fácil dispor de informações e dados e de promover políticas estatais condizentes com a verdade. Mas Brasília está imersa no mundo da fantasia, como se o País não padecesse de gravíssimas enfermidades, a começar pela exclusão, pela fome, pela miséria, pela desigualdade, pela falta de saneamento básico, pelo desmatamento, pela violência e os baixíssimos níveis de real desenvolvimento.

O custo Brasil não é enfrentado, mas tudo piora nesta terra de tantas promessas e tão poucas ofertas. O mundo das “emendas Pix” e de emendas parlamentares impositivas é surreal. A urgência de uma reforma política é relegada a um futuro longínquo. Sabe-se que os competentes para realizá-la não querem dispor de suas benesses e deixar de lado seus interesses.

A reforma trabalhista aos poucos vai sendo transfigurada, evidentemente para pior. A reforma previdenciária não acabou com os privilégios, que são devolvidos jurisdicionalmente e agravam a diferença entre os que merecem sobreviver e os condenados à exclusão.

É tempo de revisão do pacto humanitário que deve suscitar na comunidade das pessoas de bem uma reação a partir das entidades subnacionais. A República Federativa do Brasil é assimétrica, para dizer o mínimo, no eufemismo possível. O município é o responsável por atender diretamente a cidadania, mas fica refém do governo federal em temas essenciais como energia e transporte.

São 5.570 municípios brasileiros que sentem as agruras de comandos emitidos a partir da ficção denominada Brasília, onde as discussões menores, envolvendo eleição e a matriz de todas as deficiências, chamada reeleição, tomam o lugar das grandes questões nacionais.

A Constituição assegura que todo o poder emana do povo. Ele é o único e legítimo titular da soberania. Já passou do tempo de a cidadania assumir as rédeas do controle das políticas que interessem a ele, de maneira a fortalecer os prefeitos, a exercer uma liderança capaz de enfrentar os problemas locais de forma efetiva e não nos paliativos discursivos em que elas são decididas longe da população.

Afinal, não houve o aceno a uma democracia participativa? Ela só chegará a ser exercida se cada unidade municipal tiver o controle de suas necessidades básicas e puder imprimir a tonalidade local a questões que Brasília não entende e parece não querer entender.

Este país ainda abençoado, detentor de porcentual considerável de água doce, o grande tesouro deste século, que pode promover o reflorestamento das áreas degradadas e beneficiar o clima planetário, tem urgência em se defrontar com a verdade verdadeira. Não a verdade oficial, quase nunca equivalente à verdade real, vivenciada por aqueles cuja profissão, já se disse um dia, é a esperança.

No dia em que houver o encontro das verdades e só a verdadeira preponderar, então o Brasil poderá retomar o rumo do verdadeiro desenvolvimento, do qual se desviou por motivos alheios à vontade dos brasileiros.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião, em 12 07 2025



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