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OS POETAS, ESSES DESMIOLADOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Não se limitava Bilac ao comentário jovial da vida rotineira. Sua imaginação prodigiosa criava fábulas e fatos reais nasciam renovados sob a forma de versos, em espantosa fluência metrificada

Os poetas, esses desmiolados

Os poetas são seres singularíssimos, providos de um vínculo com o etéreo, dotados de uma capacidade de enxergar o que outros não conseguem ver. Por isso o verbete “poeta” serve também para designar alguém não muito atento às coisas reais, um nefelibata, sempre a pensar no mundo da lua.

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) era um predestinado a escrever poesia. Pois o seu nome, composto de doze sílabas, é um verso alexandrino. Se era excepcional o seu talento para exprimir-se em verso, considerado o maior poeta parnasiano do Brasil, ele também mostrava acentuado pendor para conviver com a boemia.

Seu pai era um médico de renome, homem austero, escandalizava-se com a conduta do jovem filho. Admoestava, repreendia, aconselhava. Baldados os esforços, ficava temporadas sem conversar com o jovem frequentador de rodas pouco recomendáveis.

Um dia, pediu ao filho que fosse ao teatro assistir, no “Fênix Dramática”, a peça “Os degraus do crime”. Entregou o bilhete e disse que, depois da peça, queria conversar com Olavo.

E assim se fez. Quando chegou em casa, tarde da noite, o pai estava à sua espera.

- “Assistiu à peça?”.

- “Assisti, sim senhor, meu pai!”.

- “Prestou bem atenção ao final?”

- “Prestei”.

- “Como foi que morreu o principal protagonista?”

- “Na forca”.

- “Pois bem”, disse o Dr. Bilac ao filho, com semblante sombrio e voz trovejante. “Esse é o fim que o espera, se o senhor não se decidir a mudar de vida!”.

Mas Olavo Bilac prosseguiu, vida a fora, a conciliar a elaboração de excelente poesia, com a frequência nunca recusada aos recantos boêmios do Rio, que era a sua cidade, e de São Paulo, onde estudou nas Arcadas.

Escrevia com muita graça e publicava poesia galhofeira na imprensa das duas maiores cidades brasileiras, nem sempre assinando com o seu nome, porém sob o disfarce de um infinito rol de pseudônimos.

Só que o seu talento o traía. Logo alguém o identificava e propalava que, por trás de nomes como Oswaldo, Flamínio, Pe. Ho, Fantásio, Puck, Belial, Asmodeu, Astarot, Otávio Bivar, Lilith, Febo-Apolo, “O Diabo Coxo”, Olavo Oliveira, estava era mesmo Olavo Bilac, o autor da “Via Láctea”.

Escrevera, a propósito: “De tudo quanto se disfarça/ De tudo quanto nos engana/ Arranco a máscara: que farsa/ A vida humana”.

Não se limitava Bilac ao comentário jovial da vida rotineira. Sua imaginação prodigiosa criava fábulas e fatos reais nasciam renovados sob a forma de versos, em espantosa fluência metrificada.

Tudo se transformava em poesia se caísse no interesse de Olavo Bilac. Aprovação de imposto sobre gado em pé, introdução do divórcio no sistema brasileiro, mudança de hábitos de seus amigos e paródias que envolviam figuras conhecidas da República.

A circunstância de uma proprietária de casa de cômodos ganhar dinheiro com a curta permanência dos casais, a despeito de possuir apenas dois aposentos o levou a publicar no jornal este epigrama:

“Mulher de recursos fartos/ Pecadora impenitente/ Como é que só com dois quartos/ Dás pousada a tanta gente?”

Fazia troça com o Prefeito que não dava atenção aos buracos das ruas do Rio de Janeiro:

“Às queixas não deu cavaco/ Do povo sempre zombou/ Dorme agora num buraco/ Das ruas que não calçou”.

Comentava-se, à época, o costume de Guimarães Passos (Sebastião Cícero dos Guimarães Passos (1867-1909) ser um emérito bolinador. Sempre pronto a tirar vantagem dos apertões em público e não raro recebendo reação irada de suas vítimas. Bilac não perdeu tempo e perpetrou:

“Quando entrar na vida eterna/ Todo vestido de preto/ Encostará, logo, a perna/ À perna de outro esqueleto”.

Para um colega que tinha dificuldade em sustentar a família, mas continuava a multiplicar sua prole, compôs:

“Vejam isto! Vejam só! / Que destino desumano! / Sendo pobre como Jó/ Nasce-me um filho por ano!”.

Esse era Olavo Bilac, um dos “Príncipes dos Poetas Brasileiros”, dos quais Paulo Bomfim, o poeta paulistano por excelência, durante décadas o decano da Academia Paulista de Letras, foi o derradeiro.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 07 06 2025



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