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![]() Acadêmico: Gabriel Chalita Na paz que sinto quando amo é que amanheço. É que amanheço criança celebrando meu aniversário mais uma vez.
Amanheci criança Amanheci. Amanheci em mim. Amanheci criança. O sol ainda tímido é a timidez dos primeiros passos do meu existir. É o tempo de tatear o tempo e dizer ao tempo que passe. Passou o tempo, obediente e desobediente, porque houve um tempo em que eu disse ao tempo para ir devagar. O calor do amanhecer de hoje é leve. É assim nessa época do ano. É assim nessa época da vida. Já faz tempo do meu amanhecer criança de antigamente. O tempo das distâncias do quando amanhecemos as primeiras vezes nos deve conferir alguma leveza. As quedas já não nos doem pela surpresa, nos doem pela insistência no desaprender. Esquecemos sopros quentes que impediram a paz e autorizamos outros. O desamor, tão desarrumador das noites, permitimos como se não soubéssemos. Fingimos não saber e choramos as desnecessidades. E, depois, amanhecemos. Sempre amanhecemos. Quando a dor dói mais do que o suportável, nos resta a lembrança da criança que um dia fomos. Nos resta a memória do embalar, do cantar de músicas que nos desligavam do mundo novo e nos levavam de volta ao sono que nos preparava antes do nascer. Morremos em vida mais de uma vez. E, mais de uma vez, nascemos. Nos noites, os ontens aparecem dizendo o que foram. Alguns nos impedem o necessário desligar. Paciência. Nem sempre fizemos o amor. E o que fizemos ou deixamos de fazer permanece dizendo em nós. O dia transcorre sem a nossa escolha. Nossa escolha é deixar nascer os muitos nãos quando decidimos algum sim. Quando escolhemos um caminho, os outros já não são. Ficaram na possibilidade. Quando escolhemos alguém, outros ficam ou se vão. E é assim que é. E o que é não impede o prosseguir, mesmo quando quem não foi o escolhido fomos nós. Chorei entardeceres desacompanhado, quando minha companhia se foi. E anoiteci como que para sempre. Um dia, amanheci novamente. E, novamente, me foi negado o amor. Também eu neguei o amor. É assim que é. Ninguém desapercebendo a dor que causei. Outros que em mim causaram, talvez, também não soubessem. As sabedorias do amor não foram entregues aos humanos. As da bondade, sim. O amor bondade é o único que decidimos. Que independe do outro. Que compete a nós, apenas. Que é o amanhecer do mundo. Do mundo? Do mundo de alguém. É um amanhecer na alma de alguém. É assim que é. Cada gesto de amor bondade é uma revolução silenciosa. Revolucionemos, então. Amanheci. Amanheci em mim. Amanheci criança. As memórias da minha infância. Os sons dos meus pais. O brincar. A casa antiga onde estávamos todos. O fogo do fogão à lenha. À lenha, cresciam as chamas do futuro. Calmamente. Demoradamente . Amanheci há tanto tempo. O tempo escapulindo foi me trazendo até aqui. É aqui, onde estou hoje, na idade que tenho hoje, nas cicatrizes que me lembram resistência, nas fotos jamais apagadas em mim, nos sons dos que se foram, na paz que sinto quando amo. Na paz que sinto quando amo é que amanheço. É que amanheço criança celebrando meu aniversário mais uma vez. Publicado em O Dia, em 04 05 2025 ![]() ![]() |
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