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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Muita gente desconhece que a população paulista depende das águas subterrâneas. Mais de 75 das cidades do Estado são abastecidas por aquíferos e cerca de seis milhões de paulistas utilizam diariamente esse recurso
Nossa água em perigo É confortador saber que São Paulo conta com a USP, a maior e mais prestigiada universidade do Brasil, e que seus cientistas estão atentos às questões mais sensíveis de nosso Estado. Uma delas, a questão da água. Uma excelente notícia é que pesquisadores do Instituto de Geociências da USP fizeram um mapeamento que ensina a aplicar a chamada Recarga Gerenciada de Aquíferos (RGA) em nosso Estado. Esse estudo evidencia que em regiões críticas, assim como Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto, a recarga gerenciada poderia suprir os aquíferos já debilitados. Essas três grandes cidades são abastecidas por águas subterrâneas e registram preocupante redução da disponibilidade hidrológica do Aquífero Guarani. Os pesquisadores concluem que os aquíferos podem ser abastecidos com água superficial excedente. A disponibilidade hídrica anual em nosso Estado se resume a 1.420 milímetros de precipitação, em 148 dias de chuva. Essa publicação é de autoria de especialistas do Projeto Sacre, resultante de colaboração internacional entre USP, Unifesp, Unesp, Unicamp, além das universidades de Hiroshima e Waterloo. O coordenador é o respeitado professor Ricardo Hirata, especialista em águas subterrâneas, docente titular do Instituto de Geociências. Para ele, o que se apurou é suficiente para a implementação das recargas. Cuida-se de uma utilização inteligente dos recursos naturais gratuitos: verões chuvosos e invernos secos. É o que permite o armazenamento de águas excedentes entre outubro e março e contenção de danos entre abril e setembro. A ciência está atenta às emergências climáticas, responsáveis por exacerbação dos quadros extremos de chuva e seca. Essa estratégia pode servir para o enfrentamento de crises como a de 2014, quando o Sistema Cantareira – complexo de reservatórios abastecido com água das nascentes de Minas Gerais – chegou ao limite de apenas 5 de sua capacidade. O aquecimento global, provocado pela excessiva emissão de gases venenosos causadores do efeito estufa, permite que se vislumbre a reiteração de fenômenos semelhantes. Municípios como Guarulhos, Diadema, Cajamar, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto já apresentam estado hídrico muito crítico. A solução indicada pelos estudiosos oferece benefícios ecológicos, mas também destaca-se o aspecto econômico. Águas subterrâneas são menos dispendiosas, pois necessitam de menos etapas no sistema de tratamento. É uma tática promissora para a redução dos problemas de escoamento, auxiliando que se evitem inundações e deslizamentos de áreas geológicas mais sensíveis. Muita gente desconhece que a população paulista depende das águas subterrâneas. Mais de 75 das cidades do Estado são abastecidas por aquíferos e cerca de seis milhões de paulistas utilizam diariamente esse recurso. Boa parte do território bandeirante já sofre de escassez hídrica. O Brasil é o nono país no ranking daqueles que mais consomem águas subterrâneas no planeta e a capital paulista é a cidade que mais se serve delas. Outros países, como Alemanha, Estados Unidos e Austrália, já recorrem à recarga gerenciada como estratégia histórica e bem-sucedida. O plano dos pesquisadores, afirma Ricardo Hirata, é transformar a cidade de Bauru numa bacia escola, ou seja, um centro demonstrativo de experimentos conjuntos para que técnicos e gestores compreendam e avaliem a capacidade das estruturas de recarga. Ao louvarmos o excelente trabalho dessa equipe de expertos, aguardamos que análogo empenho se direcione para uma questão de gravidade ainda maior: o exaurimento da Represa do Guarapiranga, único reservatório paulistano abastecido com nascentes locais. A ocupação do território de mananciais, impróprio para a densificação habitacional, põe em risco o fornecimento de água para mais da metade da população da Capital. Além da perda de profundidade, a Guarapiranga está contaminada e as nascentes ameaçadas de extinção, diante da inclemente devastação do remanescente de Mata Atlântica e edificação em área insuscetível de receber moradias. Suas águas têm coliformes fecais e resíduos fármacos, pois o tratamento não consegue eliminar antibióticos, cocaína - expelida pela urina - e microplásticos. Aquilo que se bebe como água, quando sai dali, não poderia mais ser chamado água. Indague-se ao Instituto de Engenharia, que tem alertado o Poder Público sobre a gravidade da situação. A Operação Integrada em Defesa das Águas (Oida), que deveria merecer aplauso de toda a população, enfrenta dificuldades ofertadas pela ignorância, pela cupidez e, seguramente, pela má-fé dos que ganham dinheiro com a transformação da região dos mananciais em áreas devastadas, mas preenchidas de imóveis que nem sempre são construídos por moradores na condição de sem-teto ou carentes. Há residências com piscinas e até piers edificados à margem da represa da qual os milhões de paulistanos dependem para sobreviver. Quando é que a Guarapiranga também merecerá especialíssimos cuidados científicos da USP? Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião, em 10 03 2025 ![]() ![]() |
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