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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Será utopia acreditar que os paulistanos preocupados com o seu único reservatório abastecido por nascentes igualmente paulistanas ousariam exigir que a Represa de Guarapiranga fosse considerada um ser vivo, titular de direitos?
A natureza tem direitos Tudo o que a ecologia faz para tutelar o ambiente, visa salvar vidas. Os maus-tratos infligidos à natureza resultam em malefício para os humanos que não aprenderam a conviver com ela. Não se protege a vida humana, sem proteger o planeta. Não faltam doutrina e legislação. O cumprimento integral do conteúdo previsto no artigo 225 da Constituição da República já seria suficiente para adequada transformação do relacionamento humano com os recursos naturais. Mas é preciso avançar. Reconhecer o delito de ecocídio, como gravíssimo dano intenso e durador contra a natureza, é um avanço. Implicaria reconhecer o direito da vítima a uma regeneração, restauração e recuperação. Algo nem sempre possível. Há prejuízos irreversíveis. O ideal, aparentemente utópico, seria exigir a elaboração de uma Declaração Universal dos Direitos da Natureza. É um caminho a seguir, recordando-se de que a lenta construção dos Direitos Humanos foi uma odisseia que obteve êxito na concepção, na universalização, mas que continua deficiente em termos de efetiva implementação. Menos ainda, na fruição de todos os direitos pelos humanos de todas as latitudes. Como propõe o equatoriano Alberto Acosta, Juiz do Tribunal Internacional de Direitos da Natureza desde 2014, “é mais do que evidente que a Humanidade requer propostas inovadoras, radicais e urgentes que definam novos rumos para enfrentar os graves problemas globais que a afligem. Necessita uma estratégia coerente para construir uma sociedade equitativa e sustentável, uma sociedade que entenda que é parte da Natureza e que deve conviver em harmonia com ela e dentro dela”. Nossa história tem sido a da contínua exploração dos recursos naturais. Estamos colhendo o que semeamos: poluição, escassez hídrica, colapso climático, múltiplas pandemias, que resultam do desmatamento. Ondas de calor, violentas precipitações pluviométricas. Infelizmente, mortes que poderiam ser evitadas. O Equador constitucionalizou os direitos da Natureza. Não significa isso que se resolveu em definitivo o conflito entre Natureza-objeto e Natureza-sujeito. Mas é um passo importante. E o movimento humano típico é o passo. Uma caminhada sempre tem início com o primeiro passo. Sinais alvissareiros prenunciam mudança de mentalidade em alguns países. As Nações Unidas noticiam que são trinta e seis os países que assumiram essa discussão em nível institucional. Em 2016, a Corte Constitucional da Colômbia reconheceu direitos ao Rio Atrato. Dois anos depois, era a vez de a Amazônia Colombiana merecer idêntico tratamento. Em outro quadrante, a Corte Suprema de Uttarakhand, em Naintal, norte da Índia, decidiu que os rios Ganges e Yumana são entidades vivas. Em março de 2017, o rio Whanganui, na Nova Zelândia, também foi jurisdicionalmente aceito como sujeito de direitos. Ali mesmo, quatro anos antes, o Parque Nacional Te Urewera foi considerado entidade legal com os direitos de uma pessoa. Na cidade de Toledo, Estado de Ohio, nos Estados Unidos, foi uma decisão soberana, em urnas eleitorais, que o Lago Erie, que fornece água potável a doze milhões de estadunidenses e canadenses, tem direitos. Nos mesmos Estados Unidos que reincidiu ao deixar o Acordo de Paris, cidadãos americanos demandaram em juízo para que as Montanhas Rochosas e o deserto de Nevada possam litigar contra indivíduos, corporações e contra o próprio governo americano. Mais de um município norteamericano aprovou normas para aceitar os direitos da Natureza de existir, prosperar e evoluir. E o dispositivo da Constituição Equatoriana serviu para fundamentar o movimento de brasileiros que pretenderam impedir a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, em nossa Pátria. São sinais muito significativos de que está em movimento a tendência da conversão da Natureza de objeto, em verdadeiro sujeito de direitos. Será utopia acreditar que os paulistanos preocupados com o seu único reservatório abastecido por nascentes igualmente paulistanas ousariam exigir que a Represa de Guarapiranga fosse considerada um ser vivo, titular de direitos e, portanto, insuscetível de continuar a ser vitimada por contaminação, lançamento de esgoto in natura, assoreamento, ocupação indiscriminada em território insuscetível de acolher moradias? Analogia “in bonam partem” já existe. Haverá outra forma de proteger a água de que se servem mais de cinco milhões de almas? Se houver, por favor, avisem-me. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 19 02 2025 ![]() ![]() |
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