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![]() | ||||
![]() Acadêmico: José Renato Nalini O Brasil tem um compromisso inadiável em 2025: mostrar que São Paulo leva a sério as emergências climáticas
Descalabro total O balanço da situação ambiental brasileira é de envergonhar até os mais empedernidos negacionistas. O Brasil esteve em chamas durante o ano de 2024, com incêndios que destruíram uma área superior ao Estado do Rio Grande do Sul. Incrível imaginar que o Pantanal, a região mais úmida do planeta, apresente a situação de estiagem que prejudicou a população e impediu a exploração do turismo, uma das mais expressivas fontes de rendimento para seus moradores. Lastimável que um governo que trouxe de volta Marina Silva, a “grife verde” internacionalmente reconhecida, tenha patinado em soluções. Falar em “desmatamento zero” para uma data posterior a “ontem” parece piada. O desmatamento deve ser uma política estatal inegociável. E ele só não é solução. Necessita de urgente replantio. Áreas degradadas, pastos abandonados e imensas glebas que foram devastadas devem receber imediato reflorestamento. Isso é o que o governo e o empresariado, o terceiro setor, os fundos ambientais e a sociedade civil que não perdeu a lucidez estão a dever para as futuras gerações. Promessas como a da criação da “Autoridade Climática” são marketing que lembra greenwashing. O Supremo Tribunal Federal (STF) se posiciona a favor da natureza, mas precisaria ir além. O desastre ecológico é tamanho que requer o reconhecimento de um “estado de coisas inconstitucional”. É um atentado à raiz do pacto fundante, que possui o artigo 225 na Constituição federal de 1988, então considerada “a mais bela norma constitucional do século 20”. Isso porque o constituinte contemplou um direito intergeracional: o futuro da humanidade é credor de nossas obrigações ecológicas atuais. Urge admitir que tudo falhou em termos de precaução e de prevenção. Agora, é trabalhar com a realidade: vão se intensificar os fenômenos extremos. Há certeza em sua ocorrência, apenas não é possível precisar exatamente quando acontecerão. Criar cidades resilientes é missão coletiva. Inviável acreditar que o poder público tenha condições de responder a todos os desafios. Como ninguém está excluído de colher as consequências das gravíssimas emergências climáticas, a todos incumbe-se conscientizar e fazer algo a respeito. Com o intuito de salvar vidas. O que está em jogo não é a natureza como bem da vida, indispensável à sadia qualidade existencial. É a sobrevivência dos mais vulneráveis. Existe prova suficiente de que ondas de calor matam mais do que o frio. Por óbvio, o calor não vai constar do assento de óbito como “causa mortis”. Mas foi a causa remota, deflagradora de condições mórbidas, que levou à morte. O setor da construção civil precisa também se responsabilizar por soluções de acordo com a natureza. Não exaurir a área edificável, cimentando-a, concretando-a, ladrilhando-a, de maneira a não existir um centímetro quadrado de solo drenante. Lembrar que, se o transporte é o maior vilão na venenosa emissão de gases causadores do efeito estufa, o segundo é a energia estacionária. Até quando será possível recorrer ao condicionamento de ar, hoje acessível a uma faixa privilegiada da população e vedada aos mais carentes? Devolver à natureza aquilo que dela se subtraiu durante séculos. É preciso multiplicar os jardins de chuva, restaurar as vagas verdes, para não continuar a servir exclusivamente ao automóvel em detrimento das pessoas, criar florestas urbanas. Plantar em todas as nesgas de terra que sobraram à explosão imobiliária. O verde é o maior amigo da vida. O ideal seria que todos os municípios brasileiros adotassem a estratégia de cidade esponja, de eficácia já comprovada na China e em Cingapura, para que as precipitações pluviométricas não encontrassem essa camada impermeabilizada que favorece a formação de correntezas, enchentes, inundações, desmoronamentos e mortes. Recuperar nascentes, córregos e cursos d’água sacrificados para edificar leitos carroçáveis para veículos abastecidos a combustível fóssil seria algo factível, pois cidades em outros países já o fizeram. Tudo em consonância com o Plano Hídrico de São Paulo, que propõe inverter a lógica predominante e errática até há pouco observada por seguidas gestões paulistanas. Colocar a água como parte protagonista da vida urbana, a servir para a mobilidade, para o esporte, para o entretenimento e para a paisagem. O Brasil tem um compromisso inadiável em 2025: não é apenas sediar a COP-30 e exibir o descalabro total no bioma amazônico, para receber os investimentos que a bioeconomia reclama. É mostrar que São Paulo, a maior cidade brasileira e a quinta mundial, leva a sério as emergências climáticas e, além de ser a “Capital Verde”, já certificada pela União das Cidades Capitais Ibero-Americanas, pode vir a ser a “Capital da Resiliência”, se houver conjugação de esforços do poder público e da operosa sociedade civil. O momento é promissor, pois o negacionismo se constrangeu e arrefeceu a sua resistência, vencido por evidências irrecusáveis. O espírito bandeirante dos paulistas pode enfrentar o desafio e compensar o que a hesitação e a burocracia produziram na Amazônia, Pantanal e Cerrado. Se isso acontecer, os fragmentos de Mata Atlântica resistentes à sanha dendroclasta agradecerão. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião, em 19 02 2025 ![]() ![]() |
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