|
||||
![]() | ||||
![]() Acadêmico: José Renato Nalini Hoje, quem é que lê Marcos Rey? A mocidade já não se encanta com essa obra paulistana e paulística e não existe mais Palma para divulgá-la
O centenário de Marcos Rey Em 17 de fevereiro de 1925, nascia em São Paulo Edmundo Donato, que se tornaria conhecido como Marcos Rey e que fez sucesso na literatura, o que continua a ser raríssimo numa terra que perde leitores como parece perder a vergonha. Seu pai era gráfico e encadernador caprichoso. A arte da encadernação, hoje um pouco relegada no mundo web, permite se alie a beleza ao capricho, à criatividade e à preservação desses objetos mágicos chamados livros. O profissional da encadernação trabalhava na editora de Monteiro Lobato, o Pai da Literatura Infantil brasileira e também integrante da Casa de Cultura por excelência de São Paulo, ainda hoje situada no Largo do Arouche. Tal a influência paterna, que além de Marcos, outro escritor foi gerado na família: Mário Donato (1915-1992) Não cheguei a ser amigo de Marcos Rey, a quem conheci graças a Lygia Fagundes Telles e Paulo Bomfim. Estes dois meus anjos protetores já queriam que eu viesse a ingressar na Academia Paulista de Letras, onde Marcos Rey se tornou imortal no ano de 1986. Talento precoce, aos dezesseis anos Marcos Rey escreveu o conto “Ninguém entende Wiu-Li”. Esse texto foi publicado na Folha da Manhã e Marcos nunca mais deixou de escrever. Como era parte do sonho de todo jovem paulistano na década de quarenta, foi para a Cidade Maravilhosa. Viveu a boemia, habitando uma pensão no bairro da Lapa, que é também o cenário das crônicas de Luís Martins, que durante décadas atuou no “Estadão” e que, depois de se casar com Tarsila do Amaral, a trocou por sua sobrinha, a inefável Anna Maria Martins, cujo centenário ocorreu em novembro de 2024, mas que será celebrado pela Academia Paulista de Letras no mês de março próximo. Para sobreviver, Marcos Rey traduzia livros infantis. Sua vocação era escrever, o que nunca deixou de fazer. Fazia textos como freelance para jornais e, novamente para se sustentar, empregou-se como redator publicitário na Rádio Excelsior. Em seguida, foi trabalhar na Rádio Nacional. O primeiro livro viria em 1953: “Um gato no triângulo”. Aliou-se ao irmão, Mário Donato e em 1958, ambos fundaram a Editora Mauá. Foi então que se enamorou de Palma Bevilaqua, (1928-2019), com quem se casou e viveu por quarenta anos. Palma foi uma ardorosa fã e propagandista da obra de Marcos Rey. Era uma pessoa muito alegre e boêmia. Como seus pais e irmã morreram num acidente de aviação, ela se tornou comissária de bordo e dizia que sua esperança era morrer voando. Marcos publicou o segundo romance, ‘Café da Manhã”, em 1960 e esse livro é considerado o seu primeiro sucesso de público. Ativo, dinâmico, lutador pelos direitos e interesses dos escritores, foi eleito Presidente da UBE – a União Brasileira de Escritores. E vieram novos livros: “Entre sem bater”, de 1961 e “A última corrida”, em 1963. A facilidade com que se comunicava com o público o levou a trabalhar na televisão. É considerado o criador da primeira minissérie da televisão brasileira, em 1967, na Excelsior. Chamava-se “Os tigres”, com vinte capítulos. Ainda em 1967 e também para a TV, escreveu a novela “O Grande Segredo”, que foi muito assistida na Excelsior. Obteve grande sucesso com o livro “O enterro da cafetina”. Continuou a publicar livros e a participar ativamente da novelística televisiva. Adaptou para a Globo, em 1975, o livro “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. Era um autor consagrado. Tinha pleno domínio sobre o interesse de seus leitores e telespectadores. Ousou: adaptou seu próprio romance, “Memórias de um gigolô”, para se tornar minissérie na Globo. Superativo e dinâmico, dava conta de inúmeras incumbências. Elaborou capítulos para “Vila Sésamo” e se encarregou de escrever os episódios do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, que repercutiu em todo o Brasil e chegou a ser exportado para o estrangeiro. Foi com a infância e juventude, porém, que fez maior conquista. Prolífico, a partir de 1980, publicou ao menos um título por ano, integrando a coleção que chamou de “Vagalume”. Eram livros disputados pelas crianças e adolescentes, com nomes sedutores como “Não era uma vez”, “O mistério de Cinco Estrelas”, “O rapto do garoto de ouro”, “Um cadáver ouve rádio”, “Sozinha no mundo”, “Dinheiro do Céu”, entre tantos outros. A partir de seu ingresso na Academia Paulista de Letras, em 1986, sucedendo a Ernâni Silva Bruno, passou a frequentar todas as sessões e era comum surgissem seus pequenos leitores, os quais entretinha contando outras estórias e fazendo de assuntos triviais uma crônica oral que atraía a atenção de ouvintes de todas as idades. Colecionou troféus. Por exemplo, o “Jabuti” de 1967, com “O enterro da cafetina”, o “Jabuti” de 1994, com “O último manifesto do Martinelli” e recebeu o “Juca Pato” como intelectual do ano em 1996. Tudo isso, escrevendo semanalmente para “Veja São Paulo”, com crônicas que eram colecionadas por aficionados de sua obra. Ao retornar de uma viagem à Europa, teve se se submeter a uma cirurgia e não resistiu, falecendo em São Paulo, no dia 1º de abril de 1999. O que muita gente não sabe é que Palma não foi apenas amante, esposa e divulgadora da obra de seu marido. Ela também foi sua enfermeira. Ele chegou a vender milhões de livros, cuja personagem central era a cidade de São Paulo. Mas foi acometido de hanseníase, que escondia do público em geral. Palma se desvelava em tratamento doméstico e foi considerada, por quem a conhecia, verdadeira heroína. Depois da morte de Marcos, Palma passou a proferir palestras sobre a cruel enfermidade e a animar os familiares que também sofrem com as consequências desse mal tão terrível, que estigmatiza, há séculos, o contaminado, mas também os que estão próximos dele. Ela renunciou à sua vida para que Marcos pudesse viver mais. Chegou a alienar seus bens, para que ele pudesse continuar a escrever. Marcos Rey reconhecia o verdadeiro apostolado de Palma. No final de seus dias, passava horas a escrever cartas para ela, sentado ao chão e olhando para aquela a quem chamava “Linda Palma”. Esse epistolário chegou a ser publicado com esse nome. Hoje, quem é que lê Marcos Rey? A mocidade já não se encanta com essa obra paulistana e paulística e não existe mais Palma para divulgá-la. Quando escrevia suas memórias, teve um AVC e faleceu em 19.2.2019. Vinte anos depois de Marcos Rey. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 17 02 2025 ![]() ![]() |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |