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Acadêmico: José Renato Nalini Para se levar a sério a emergência ambiental, seria necessário acabar de imediato com o desmatamento. Canalizar recursos que podem ser subtraídos à propaganda, às viagens internacionais, aos Fundões Partidário e Eleitoral, para fazer reflorestamento das áreas degradadas
A falácia do discurso Somos falantes, somos achistas, somos primatas. Diante de tudo o que está ocorrendo no mundo, para mostrar que nossos hábitos são letais, continuamos a agir como se nada tivéssemos com isso. Não haveria necessidade de outra providência, neste Brasil de incêndios, estiagem e escassez hídrica, do que cumprir – rigorosamente – o disposto no artigo 225 da Constituição da República. Não satisfeitos com a dicção de um dispositivo que foi considerado pelo mundo jurídico a mais bela norma produzida num pacto fundante, editamos imensidão de leis infraconstitucionais. Há lei para tudo. Mas elas são mera fantasia! Agora, que o Brasil ofereceu ao planeta o lamentável espetáculo do fogo a incendiar todos os biomas, quando se reconhece que o Pantanal, a área mais úmida do mundo, está fadado a desaparecer, qual a resposta da União? O editorial do Estadão de 12.10.2024 é contundente: “A farsa ambiental”. Fala do espetáculo montado pelo governo federal com três atos: a promessa de criação de Autoridade Climática, a proposta de um Estatuto Jurídico da Emergência Climática e a criação de mais um Conselho para assessorar o Presidente da República. Fogo de artifício para distrair plateias. Autoridade climática deveria ser exercida por Marina Silva, a ministra anteriormente defenestrada e hoje desprestigiada. Como conciliar a retomada do Brasil verde, promissora potência ecológica, e a exploração de petróleo na Foz do Amazonas? Se ela fosse ouvida, o Brasil estaria diferente. Mas encontra resistência no próprio governo. Um executivo refém de partidos interessados no enriquecimento e na própria sobrevivência não tem força para seguir a voz da razão que, nesse caso, é a voz de alguém que conhece a fragilidade ambiental da nação. Não é necessário criar mais leis. A criação do Estatuto Jurídico da Emergência Climática não fará com que a tutela da natureza recupere as décadas perdidas com a intensificação do desmatamento, da grilagem de terras, do continuado extermínio dos indígenas, com a exploração ilegal de minérios e com a conivência trágica do sistema com a criminalidade cada vez mais organizada e sofisticada. E para que mais Conselhos? O assembleísmo não funcionou até agora. Por que funcionará diante da séria ameaça que se concretizou e sacrificou o futuro do Brasil? Para se levar a sério a emergência ambiental, seria necessário acabar de imediato com o desmatamento. Canalizar recursos que podem ser subtraídos à propaganda, às viagens internacionais, aos Fundões Partidário e Eleitoral, para fazer reflorestamento das áreas degradadas. Cuidar do saneamento básico, pois a saúde da população deteriora à medida em que milhões ainda não têm água potável e muitos mais não dispõem de esgoto doméstico e seu tratamento. Se o Brasil tivesse juízo, todas as autoridades federais, estaduais e municipais estariam pensando em como proteger vidas e o sacrificado patrimônio dos mais carentes. São as minorias as mais penalizadas pelas catástrofes provocadas pela insensatez humana. A Fundação SOS Mata Atlântica realizou um estudo em que apurou que mais da metade dos brasileiros diz que as prefeituras de suas cidades nada fazem para enfrentar os efeitos da crise do clima. A capital paulistana, por sua singularidade – ser a maior cidade da América Latina, ter quase treze milhões de pessoas e um trânsito emissor de quase dez milhões de veículos – conta com uma Secretaria de Mudanças Climáticas. Não é o que ocorre na maioria dos 5570 municípios brasileiros. Para quem mergulhou na questão, é promissor verificar o protagonismo individual e coletivo, para inúmeras pequenas ações que visam proteger a vida humana em primeiro lugar. Só que essa percepção não é partilhada pela política partidária. Por isso é que a questão climática não foi encampada pelo poder público. E de onde precisaria vir o exemplo, só existe falação, promessas descumpridas, histrionismo, falas vazias e desfocadas, encenação desprovida de consequências. A falácia do discurso esteve presente em toda a história medíocre da República Brasileira. Por isso se chega ao século 21 distando anos luzes das nações civilizadas, que enfrentaram conflitos e questões seríssimas e souberam agir, em vez de falar. A falácia do discurso vazio é um fator de evidente retrocesso do grau civilizatório desta pobre nação. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 04 11 2024 voltar |
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