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Acadêmico: José Renato Nalini Para quem nutre a esperança de que algo pode ser feito, é devotar-se à recomposição das áreas degradadas, cuja cobertura vegetal foi dizimada. Mas um plantio incessante, com acompanhamento das mudas para que elas sobrevivam. Haverá água suficiente para a rega dessas florestas reconstituídas?
Há motivo para alarmismo? A ciência é muito prudente ao anunciar prognósticos para o futuro da Terra. Não quer ser acusada de catastrofismo. Só que hoje, conclui-se que a sua timidez foi exagerada. A situação do mundo é muito pior do que propagam os moderados. Basta dizer que centenas de cientistas apresentam sintomas de estresse, de depressão e de outros comprometimentos mentais, desalentados porque clamaram, durante décadas, por uma conversão ecológica da humanidade e nada conseguiram. Não é exagero dar credibilidade à citação da reportagem “Too Hot to Handle”, inserta no site da Nasa, de que o Brasil será uma das áreas inabitáveis dentro em cinquenta anos. Por sinal, o livro cuja leitura recomendo se chama, exatamente, “A Terra Inabitável” e foi escrito pelo americano David Wallace Wells. Impossível não ficar angustiado diante dos prenúncios ali descritos. O negacionismo está em baixa no mundo inteiro. São os humanos que esquentam a Terra e disso ninguém consegue duvidar. Continuam a fazê-lo sem complacência e parecem acreditar que o caos não chegará. Precisa muito para concluir que as altas temperaturas experimentadas nesta primavera quente são respostas da natureza para o seu algoz? E o que dizer de um Brasil em chamas, que ofereceu fumaça e fuligem para outros países e não houve espaço em que se pudesse respirar o ar puro? Não há mais tempo para mitigação. Agora, é adaptar as cidades para os fenômenos extremos que vão acontecer. Tudo é muito complexo. A emissão de gases venenosos continua como se eles não fossem assassinos de toda espécie de vida. Combinadas, a temperatura e a poluição tornam-se eficientemente letais. Os humanos não foram criados para viver num forno. Perecerão. E já estão perecendo aqueles mais vulneráveis. Nossa cupidez não respeita nossos limites biofísicos. Tudo indica ter a humanidade escolhido o suicídio coletivo como forma de encerrar sua aventura sobre este planeta. Precisaria haver coragem inaudita para providenciar uma radical modificação nos hábitos humanos. Por exemplo, adotar o trabalho noturno, para aproveitar de período em que a temperatura deveria ser mais amena e permanecer em casa, com ar condicionado, durante as horas de maior calor. Proibir a circulação de veículos nas áreas centrais. Aumentar o período do rodízio. Instalar pedágios urbanos. Quem se arriscará a adotar tais medidas? Ou prender quem polui, quem destrói uma área verde, punindo-o, acessoriamente, com a obrigação de fazer um replantio muitas vezes superior ao que exterminou? É trágico saber que, ainda que hoje deixássemos de emitir os gases formadores do efeito estufa – o que é mera utopia – a atmosfera ainda levaria milhares de anos para voltar à situação anterior à calamidade atual. Para quem nutre a esperança de que algo pode ser feito, é devotar-se à recomposição das áreas degradadas, cuja cobertura vegetal foi dizimada. Mas um plantio incessante, com acompanhamento das mudas para que elas sobrevivam. Haverá água suficiente para a rega dessas florestas reconstituídas? Como transformar a consciência da população para que não continue a desperdiçar toneladas de resíduos sólidos que também emitem gases venenosos? Como fazer as empresas cumprirem a legislação da logística reversa e da economia circular? Como convencer as pessoas de que se não houver profunda reforma nas estruturas de convívio, o fim dos tempos, o Apocalipse, chegará dentro em pouquíssimo tempo? Grande parte da humanidade já sofre de problemas mentais. Aumenta o número dos deprimidos, dos estressados, dos dementes, dos portadores do mal de Alzheimer. Também há jovens praticando suicídio, num gesto derradeiro de quem não enxerga um horizonte feliz para os próximos anos. Isso deveria motivar os educadores, os psicólogos, os psicanalistas, os psiquiatras, os terapeutas, os sacerdotes e pastores, a encetarem verdadeira cruzada de convencimento geral. Se e quando uma parcela considerável da sociedade souber do real perigo que ronda a humanidade, sem dúvida se disporá ao sacrifício. Antes disso, não. Tudo continuará como se um golpe mágico tivesse o condão de salvar a Terra e poupar a vida humana. Os governos precisam ser forçados a atuar, em seus múltiplos níveis. Os pesquisadores, a Academia, a Universidade, idem. O empresariado, que ficou enlouquecido pela obtenção do maior lucro no menor prazo possível, tem de ser alertado: de nada adiantará um sólido capital, se não houver água, se não houver oxigênio, se não houver clientela, se não houver condições de existência saudável para o consumidor. Se não houver sobrevivência. Cumpre enfatizar: quem corre risco é a humanidade. O planeta vai continuar a existir. Mas vai prescindir da espécie humana para isso. Existe ou não motivo para um justificado alarmismo? Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 07 10 2024 voltar |
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