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Acadêmico: José Renato Nalini Padecemos de crônica dificuldade de estabelecer uma estratégia para enfrentar a emergência climática. Tudo indica que chegaremos a Belém apenas com a fuligem das chamas que inflamam o País
O que levar à COP-30? O tempo não perdoa. É o único insumo inegociável. Não se consegue comprar um minuto sequer de prolongamento da vida humana. Ele escoa rapidamente e é só marcar uma data, um compromisso qualquer, que ele chega. Inevitavelmente. A 30.ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a realizar-se no próximo ano – e para 2025 chegar falta só um trimestre –, deveria servir para o Brasil demonstrar que já não é “pária ambiental”, mas retomou sua vocação ecológica. Precisa provar que essa volta é para valer e não mais um discurso retórico de lamentável esterilidade. Parece, entretanto, que uma vez mais somos reféns de eventos. Padecemos de crônica dificuldade de estabelecer uma estratégia consistente de propostas e soluções para a enfrentar a emergência climática. Tudo indica que chegaremos a Belém apenas com a fuligem das chamas que inflamam o País como um todo. Como evitar que o eixo do noticiário sejam os incêndios que assolaram a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado e até o interior de São Paulo? Como explicar a sensação generalizada de que a área mais sensível do território nacional, que muitos consideram o “pulmão do mundo” e que é responsável pelos “rios voadores”, propiciadores de chuva para o Sudeste, mas também para outras regiões, está contaminada por uma criminalidade cada vez mais sofisticada, audaciosa e compartilhada entre gangues de várias nações? Haverá quem indague ao governo brasileiro qual o avanço na promessa de “desmatamento zero”? Qual será a resposta? Uma questão conexa com a urgência ambiental é o pífio saneamento básico, sabendo-se que milhões de brasileiros estão privados de esgotamento sanitário e outros milhões não têm à sua disposição água potável. O mundo aguarda ansioso que o Brasil regule o mercado de crédito de carbono, promissora esperança para injetar recursos na economia nacional. Contudo, as discussões no Parlamento priorizam emendas Pix, sucessão no comando das Casas, enfrentamento do Judiciário, e a norma redentora de nossa economia não vem. Além disso, é incongruência tupiniquim pretender a retomada do discurso ambientalista e, simultaneamente, insistir na exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Com o argumento pueril de que parte dos recursos obteníveis com a venda do combustível fóssil possa alimentar a transição energética. Prosperam os lobbies para a perpetuação do uso de tais substâncias assassinas, enquanto se boicotam as potencialidades com que fomos aquinhoados. Pueril, sim, essa explicação. O investimento para prospecção será imenso e, se a pesquisa vier a ser bem-sucedida, o petróleo amazônico só estará em condições de ser utilizado ou exportado a partir de 2034. Até lá, será que o planeta não terá sido obrigado a uma transformação radical em suas matrizes? Por que insistir num combustível que envenena a atmosfera, causa o aquecimento global, gera emergências climáticas que ceifam vidas e ocasionam vultosos prejuízos, em lugar de se investir em pesquisas para utilização de biodiesel, biogás, biometano, hidrogênio verde ou aprimoramento da nossa pioneira produção de etanol? Nosso país se destacou no cenário ecológico ao surgimento da onda ambientalista que produziu Paulo Nogueira Neto, um dos coautores do conceito de sustentabilidade – “sabendo usar, não vai faltar” – e que participou da elaboração do Relatório Brundtland. Chico Mendes, Dorothy Stang, Marina Silva, Aziz Ab’Saber, Fábio Feldmann, tantos outros patrícios que ganharam celebridade por se devotarem à causa da tutela da natureza. A Constituição de 1988 produziu a mais bela norma fundante do século 20, o artigo 225, destinado ao meio ambiente. Além de consagrar esse direito essencial à sadia qualidade de vida, o constituinte erigiu o nascituro em sujeito de direito. Instituiu a dimensão intergeracional, responsabilizando os viventes pela garantia, às gerações vindouras, de fruição das mesmas condições ambientais asseguradas às atuais. Só que, depois disso, registrou-se retrocesso até na parte principiológica. Basta constatar o sacrifício do princípio da vedação de retrocesso. Inúmeras ocorrências evidenciam sua vulneração. Como a flexibilização do licenciamento, a permissão de uso de herbicidas proibidos em sua origem, a anistia a grileiros e dendroclastas, o desmanche das estruturas do sistema tutelar ambiental. Acreditemos ser ainda possível oferecer aos que vierem a Belém no próximo ano um capítulo de projetos factíveis, resultantes do empenho acadêmico e da iniciativa privada. Organismo a subsistir heroicamente, pese embora a elevada carga tributária a recair sobre os que enfrentam a insaciável fome fiscal e a invencível burocracia de um Estado tentacular e em plena expansão. Nosso amanhã pode ser compatível com a ousadia de nossos sonhos, se a sociedade civil assumir o seu papel de artífice da democracia participativa, aceno do formulador do pacto de 1988 e cuja implementação depende da crença nos destinos nacionais e de imensa dose de fervor cívico. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 04 10 2024 voltar |
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