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Acadêmico: José Renato Nalini O mundo acompanhou o drama paulistano em 2015, com seca que durou dois anos e racionamento brutal que fechou o comércio e gerou demissões em massa. E as emergências climáticas não haviam chegado ao ponto de não retorno em que hoje se evidenciam. O que você sugere deva ser feito?
Água: tragédia à vista Mais de setenta por cento do planeta é coberto por água. Só que dois por cento dela é água doce e apenas um por cento, sendo otimista, é acessível. O restante, até há pouco, estava conservado nas geleiras. Por isso a “National Geographic” divulgou que tão somente 0,007 por cento da água do planeta estaria disponível para uso e consumo de quase oito bilhões de humanos. Não existe reação de governos e da sociedade quanto à gravíssima situação do mundo em relação à escassez hídrica. O Brasil ufanista ainda continua a proclamar sua privilegiada condição de detentor de infinitas fontes de água doce. Mas já não é assim. No mundo inteiro, entre setenta e oitenta por cento da água potável é utilizada para a produção de alimentos e agricultura. Mais entre dez e vinte por cento reservado à indústria. Pense-se que a população mundial continua a crescer. Em breve seremos nove bilhões, depois dez ou doze bilhões de gente com sede e precisando escovar os dentes, tomar banho, lavar roupa e tudo o mais que se costuma fazer com água. O drama que ninguém desconhece é que o aumento populacional coincide com regiões menos providas de água. Estima-se que em 2030, logo ali, a demanda mundial de água vai superar a oferta em pelo menos quarenta por cento. A crise da água é mais política do que climática. Se o Poder Público de fato atentasse para o perigo que ronda a vida e sua subsistência, não estaríamos assim. Como enfatiza David Wallace-Wells, “esse é um dos motivos para ser, não obstante, terrível como parábola climática: um recurso abundante é tornado escasso pela negligência e indiferença governamentais, pela falta de infraestrutura, pela poluição e pela urbanização e desenvolvimento descuidados”. Não é preciso ir muito longe. A perda de água por vazamentos é maior do que a entregue nas casas. Estima-se que no Brasil os vazamentos e furtos ultrapassem quarenta por cento. Quem sofre mais é a categoria dos carentes, dos despossuídos e dos excluídos. Nem se pode falar em competição pela água: o que existe, de verdade, é mais um instrumento utilizado para aprofundar a desigualdade. Mais de dois bilhões e cem milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água e quase cinco bilhões não dispõem de tratamento de água e de saneamento. Houvera juízo por parte dos governos e a ínfima quantidade de água doce atenderia às necessidades básicas da população mundial. Mas a crise climática vai piorar as coisas. Metade da população do globo depende do derretimento sazonal da neve e do gelo em grandes elevações. Estes depósitos estão dramaticamente ameaçados pelo aquecimento. Em nosso país, o desmatamento incessante e cruel acaba com as nascentes, causa assoreamento das represas, produz desertos. Quem imaginaria que a área mais úmida da Terra, o Pantanal, sofresse reiterados incêndios e se preveria o seu desaparecimento para muito breve? Insensatez mantém a ocupação de áreas de mananciais, insuscetíveis de destinação para moradia, pois a sua vocação é garantir água para milhões, não servir de residência para alguns. Invasões irregulares, clandestinas e criminosas culminam por lançar esgoto in natura nas reservas que abastecem os lares de mais da metade da macromegalópole paulistana e a água da Guarapiranga está contaminada e com os seus dias contados. Recorre-se cada vez mais aos aquíferos. Mas esses depósitos subterrâneos levaram milhões de anos para se formar e é inviável sejam reabastecidos em menor tempo. A perda de água subterrânea é mais do que preocupante. Para quem acompanha a irresponsabilidade galopante, é algo que tira o sono e aterroriza. Não é monopólio nosso. Embora a agricultura seja o setor que mais sofre com a falta d’água, questões hídricas acometem o solo urbano. Catorze das vinte maiores cidades mundiais passam hoje por escassez de água ou seca. Mais de quatro bilhões de pessoas já vivem nos territórios que enfrentam crises de falta d’água. Meio bilhão moram em lugares onde a escassez é permanente. O mundo acompanhou o drama paulistano em 2015, com seca que durou dois anos e racionamento brutal que fechou o comércio e gerou demissões em massa. E as emergências climáticas não haviam chegado ao ponto de não retorno em que hoje se evidenciam. O que você sugere deva ser feito? E qual o seu comportamento individual em relação a este perigo real, que bate às nossas portas? Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 24 09 2024 voltar |
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