|
||||
| ||||
Acadêmico: José Renato Nalini Fortuna é satisfazer-se com o que se tem e com o que se pode conquistar pelo próprio esforço. Fortuna é ter saúde e ter alguém a quem amar e por quem se preocupar. O resto sim, é sorte ou azar. Não depender disso é o que se chama liberdade
Variações sobre a fortuna Os antigos referiam “fortuna” como equivalente a “sorte”, não exatamente com um dos sentidos desse verbete, que significaria conjunto de bens. Fortuna seria a deusa que presidia ao bem e ao mal, daí também representar destino ou fado, má sorte ou desventura. Tentemos identificar a que se referia o Marquês de Maricá, nas muitas vezes em que se serviu da palavra “fortuna” para formular seus pensamentos. Vamos lá: “Ninguém considera a sua ventura superior ao seu mérito, mas todos se queixam das injustiças dos homens e da fortuna. É tal a incapacidade pessoal de alguns homens, que a fortuna, empenhada em sublimá-los, não pode conseguir o seu propósito. A fortuna cega faz também cegos e surdos aos seus validos. Queixamo-nos da fortuna para desculpar a nossa preguiça. Não é a fortuna, mas juízo somente, o que falta a muita gente”. “O homem de juízo converte a desgraça em ventura, o tolo muda a fortuna em miséria. O tolo inutiliza os favores da fortuna, o homem hábil os escusa. Não é a fortuna que falta aos homens, mas a perícia e juízo em aproveitá-la quando ela nos visita. O juízo força a fortuna à obediência, ou escusa os seus serviços. Quando a fortuna nos maltrata, recorremos à filosofia ou à Religião, para que nos console e conforte”. A polissemia do verbete “fortuna” permite que se inclua também aquele que significa seu antônimo: “Muitos e grandes bens sem alternativa de males, são de ordinário prenúncios de graves e futuros infortúnios. As esperanças, quando se frustram, agravam mais os nossos infortúnios”. Todavia, a fortuna é o que mais comparece: “Quase sempre atribuímos os nossos reveses à fortuna, e bem raras vezes aos nossos desacertos. Custa menos ao nosso amor-próprio caluniar a fortuna, do que acusar a nossa má-conduta. Queixam-se muitos de pouco dinheiro, outros de pouca fortuna, alguns de pouca memória, nenhum de pouco juízo. Muitos se queixam da fortuna e dos Governos, mas só deveriam queixar-se de si mesmos”. “Não obstante a extinção do paganismo, ainda há muita gente que adora a Deusa Fortuna. A inconstância da fortuna esperança os desgraçados. O amor cega a muitos, a fortuna deslumbra a todos. Nunca pioramos de fortuna quando melhoramos de conduta. Todos os cumprimentos e votos dos homens versam de ordinário sobre saúde, fortuna e dinheiro; mas nenhum compreende também o juízo, aliás tão necessário”. “A fortuna faz de um tolo um potentado, como o sol no horizonte confere a um anão a sombra de um gigante. Queixamo-nos sem receio da fortuna que não pode reclamar, nem recriminar-nos. A má fortuna persegue a muitos sem justiça, como a boa favorece a outros sem razão. Os ambiciosos, como os jogadores, confiam menos na fortuna que na habilidade. A fortuna é cega somente para aqueles que a não compreendem”. “A fortuna sem virtudes é mais desastrosa que a desgraça. O preguiçoso confia na fortuna, o homem industrioso e probo em Deus, e no seu trabalho. Observa-se em muita gente que melhora os costumes piorando de saúde ou de fortuna. A roda da fortuna não é outra coisa mais que a mudança de circunstâncias e variedade dos eventos. O amor-próprio é o amigo legal que nunca nos desampara em nossos maiores infortúnios. Há homens que sobem alto, como os papagaios de papel, impelidos pela viração da fortuna e circunstâncias”. “Custa mais trabalho a muitos o tornar-se desgraçados, do que a outros o fazer-se afortunados. Para os sábios é Providência Divina o que os néscios apelidam fado, sorte, fortuna, acaso e destino. Devemos, na mocidade, fazer provisão para a velhice de ideias, verdades, desenganos e bens da fortuna. A fortuna, por inconstante, esperança tanto o desgraçado, como intimida o afortunado. O Fado ou Destino dos pagãos é a Providência dos cristãos”. “O grande engenho se exalta no infortúnio, como a água sobe alto comprimida nos repuxos. A felicidade pela fortuna é de pouca duração; a que provém do trabalho, inteligência, economia e probidade, tem maior extensão e permanência. Quem recorre à fortuna, desconhece a Providência. Os afortunados não sabem desculpar os desgraçados”. Fortuna é satisfazer-se com o que se tem e com o que se pode conquistar pelo próprio esforço. Fortuna é ter saúde e ter alguém a quem amar e por quem se preocupar. O resto sim, é sorte ou azar. Não depender disso é o que se chama liberdade. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 09 2024 voltar |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |