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Acadêmico: José Renato Nalini Tudo indica que, neste Brasil tão infeliz, o tribunal da consciência encerrou suas portas. Aqui vivencia-se o “vale-tudo”, os problemas nacionais não me dizem respeito, o próximo, para mim, é assunto de governo. Cuido apenas do que me interessas. O resto é o resto
Fechou o tribunal da consciência Consciência deveria ser aquela bússola natural a nos indicar a retidão. Um guia confiável, quando bem treinado. Capaz de ocasionar remorso, assim que se perceba um claudicar. E suficientemente hábil para gerar o propósito de se emendar, de levar em conta o corretivo e não mais incidir no erro. Pensadores antigos contemplavam a consciência como ingrediente ínsito aos humanos. O Marquês de Maricá elaborou uma de suas máximas das quais se extrai instigante reflexão: “Quatro tribunais nos julgam e nos condenam neste mundo: o da natureza, o das leis, os da própria consciência e de opinião pública. Podemos escapar de algum, mas não de todos”. O Tribunal da natureza nos condena por nosso ecocídio. Estamos fazendo força para extinguir a possibilidade de vida neste planeta. Desmatamos, extinguimos as árvores que restam, poluímos a pouca água doce, bem finito e que logo irá faltar. Desperdiçamos o que poderia gerar lucro, inflacionando todos os espaços com o que antigamente chamávamos “lixo” e hoje denominamos, eufemisticamente, de “resíduos sólidos”. As leis deixaram de ser normas éticas, produzidas pelos humanos a se inspirar na natureza das coisas. Não. São respostas tópicas a interesses muito bem localizados, quase sempre ausentes do bem comum. Leis personalíssimas, corporativistas, de encomenda, emendas orçamentárias, leis “Pix”, impulsionadas pelo vil metal, quem há de confiar nelas? A opinião pública parece um catavento em furacão. Sociedade polarizada, em que pensar diversamente é uma declaração de guerra. Superficialidades, fofocas, memes, tik-toks debochados, “achismos” e ignorância avassaladora. Hoje se compreende o que Umberto Eco queria dizer quando afirmou que a internet dera voz à imbecilidade. Sim, a inteligência e o discernimento são distribuídos com modicidade e timidez, enquanto a tolice, a fancaria, a velhacaria, o non sense, dominam o mundo e proliferam como fungos. Deixei por último o tribunal da consciência. Esse, que deveria ser o mais autêntico. Onde está a consciência do racional contemporâneo? Pode-se falar em consciência quando psicopatas incendeiam plantações, reservas florestais, nichos ecológicos, em nome de vendeta contraposta à atuação da licitude? Onde a consciência de quem continua a roubar, a furtar, a estuprar, a caluniar, injuriar, difamar e a se portar como facínora? Onde a consciência de quem se lamuria, reclama de tudo e de todos e nada faz para melhorar sua casa, sua rua, seu bairro, sua cidade, seu Estado e seu país? Onde a consciência de quem ridiculariza o semelhante, reforça preconceitos, considera-se predestinado, muito superior aos demais? Onde a consciência de quem humilha o próximo, em nome de um humor de péssimo gosto, repete piadas ofensivas de situações, escolhas, excepcionalidades ou destinos? Onde a consciência de quem se diz honesto, mas se considera isento de oferecer um plus à sociedade que nele investiu, para chegar ao êxito financeiro que hoje pode ostentar? Onde a consciência de quem possui um discurso edificante, mas uma conduta egoísta, narcisista, individualista ao extremo? Onde a consciência de quem exige postura irrepreensível dos demais, mas transige em relação à sua própria conduta? Isso vale para todas as pessoas, mas, principalmente, para aquelas que chegaram à Universidade e estão na minoria mínima dos que ostentam um diploma de nível superior. O médico a não conceder ao paciente a dignidade que ele merece, mais intensa porque está em situação de fragilidade. O juiz, que não se preocupa com a consequência de sua decisão e quer acreditar que, ao aplicar a lei como lhe parece, está fazendo a sua parte. O religioso que escolhe, das Sagradas Escrituras, aquilo que lhe serve, como um prato à la carte, dispensando o que lhe obrigaria a uma completa reversão de práticas, às quais não quer renunciar. A consciência é um órgão que precisa ser afinado todos os dias, assim como o músico afina o seu instrumento. Quando ela se acomoda, adquire ranço, enferruja, deixa de funcionar e se torna praticamente imprestável. Tudo indica que, neste Brasil tão infeliz, o tribunal da consciência encerrou suas portas. Aqui vivencia-se o “vale tudo”, os problemas nacionais não me dizem respeito, o próximo, para mim, é assunto de governo. Governo que eu critico e flagelo, mas com o qual eu não tenho nada com isso. Cuido apenas do que me interessas. O resto é o resto. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 10 09 2024 voltar |
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