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TORNAR-SE JUIZ
Acadêmico: José Renato Nalini
Na República em que existem mais faculdades de Direito do que a soma de todas as outras espalhadas pelo restante do planeta, dezenas de milhares de concorrentes disputam as vagas nas carreiras jurídicas públicas. Acabam ingressando numa delas. Alguém falou em “vocação”? Alguém priorizou a ética do candidato? Seu equilíbrio? Suas habilidades socioemocionais?

Tornar-se juiz

O mundo ainda não chegou a uma solução quanto ao recrutamento de juízes. O Brasil adotou o sistema do concurso público, em tese o melhor critério. Baseia-se na circunstância de que é uma fórmula democrática: todas as pessoas, desde que munidas de um diploma de bacharel em direito, podem aspirar a um cargo na Magistratura de carreira. Mas guarda um caráter aristocrático: apenas os melhores serão aprovados.

Isso em tese. Na era em que a informação está disseminada e acessível, memorizar dados é algo que o computador faz com eficiência mil vezes maior do que o cérebro humano. A um clique, encontra-se a informação atualizada, colorida, atraente e musical, o que torna imbecil o método de ensino-aprendizagem na maior parte das Faculdades de Direito. O anacronismo reinante nas escolas inspira os concursos públicos. Baseados naquilo que os próprios “concurseiros” chamam “decoreba”. Por isso o sucesso dos famosos “Cursinhos” de preparação. De tanto insistir, a informação fica armazenada na mente do candidato e ele consegue responder à previsível indagação de bancas “ad hoc”. Isso mesmo. Enquanto a iniciativa privada recorre a moderníssimas estratégias de recrutamento de seus quadros, o Judiciário confia a missão a pessoas chamadas a exercer, episodicamente, essa função. Não se lhes exige conhecimento específico sobre a psicologia do concurso, nem prática em escolha dos melhores, nem conhecimento profundo sobre a espécie humana. Aquilo que empresas especializadas dominam bem e que seus “head hunters” desempenham de forma satisfatória.

Na República em que existem mais faculdades de direito do que a soma de todas as outras espalhadas pelo restante do planeta, dezenas de milhares de concorrentes disputam as vagas nas carreiras jurídicas públicas. Acabam ingressando numa delas. Alguém falou em “vocação”? Alguém priorizou a ética do candidato? Seu equilíbrio? Suas habilidades socioemocionais? Esse equívoco explica, em boa parte, as críticas que o sistema Justiça merece no Brasil, de parte da comunidade, da mídia, do empresariado, dos afetados pelo funcionamento às vezes esdrúxulo do equipamento destinado a solucionar controvérsias.

Mais problemática ainda, a seleção para as “cotas” reservadas a integrantes do Ministério Público e da OAB nos Tribunais. Um quinto para a maioria deles, um terço para o STJ, sem critério algum para o STF.

Quando isso ocorre, desencadeia-se uma verdadeira batalha, em que a vítima, não raro, é a própria Corte Judicial ambicionada.

Antigamente, o próprio Tribunal, a conviver com os advogados e com os membros do Parquet, elaborava uma lista e a encaminhava ao Governo, que escolhia um de seus três integrantes. Hoje, incumbe aos próprios organismos de origem elaborarem essa relação.

Cabe lembrar o que o Procurador Geral da República Francesa, Nicolau-François Bellart, observava em sua Pátria. O método de escolha e a opção pelo preferido das cúpulas da era considerado pelo Chefe do MP como “a peste e a mais ativa causa de ruína de toda a boa administração. O favoritismo não tem diques... Todas as antecâmaras dos grandes, estão atravancadas de postulantes. Um magistrado que quer entrar nos tribunais ou ser promovido, não conhece outros meios senão mover o Poder e a sociedade em seu favor. São cartas, importunidades, exigências, ia dizer quase violências, num nunca acabar. Por pouco que esta disposição aumente, tempo virá em que se peça uma colocação na Magistratura de pistola na mão... Quem solicita e faz solicitar com este furor não se confessa por isso mesmo, indigno da função que pretende, função para a qual ninguém se mostra apto senão por virtudes, as primeiras das quais são o pudor e uma justa desconfiança de si mesmo”.

Essa opinião é longeva. Mas ecoa ainda hoje, pois a “peste”, que poderia ser considerada a undécima praga do Egito, se manifesta com intensidade até mais aguerrida. Não se pode esquecer o que significam e-mails, whatsApp, mensagens eletrônicas que invadem gabinetes, tudo em nome de práticas bem frequentes. Além do favoritismo, o nepotismo e o arrivismo.

Interessante não haver limite para a ambição. Mal aceitos nos Tribunais locais, iniciam a batalha para chegar aos Tribunais Superiores. Uma vez lá, querem chegar ao Supremo. Hoje ainda se exige permaneçam no cargo por cinco anos, antes de se aposentarem. Houve época em que não se acostumavam com a carga de trabalho e restrições postas à Magistratura. Saíam bem antes e voltavam aos seus afazeres, confortados com proventos integrais. Hoje, nem mesmo os concursados contam com esse benefício. Por isso, - e vale para todos – pense bem antes de se tornar juiz.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 04 09 2024



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