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Acadêmico: José Renato Nalini A Amazônia é um caso emblemático. Mais de trinta por cento de sua deterioração ocorreu nos últimos trinta anos. Quando ela deixar de ser o pulmão do planeta, quando conseguirmos acabar com os “rios voadores”, o Brasil e muitos outros países não terão chuva, não terão água, não terão vida
E o inferno cada vez mais perto A última semana de agosto foi fatídica. Fogo no Brasil inteiro. Que belo espetáculo! A Nação que se ofereceu para sediar a COP-30, a realizar-se daqui a alguns meses, em Belém do Pará, oferece o espetáculo terrível dos incêndios na Amazônia, no Pantanal e em São Paulo. O que se mostrará à comunidade internacional que vier ao Brasil no ano que vem? O solo calcinado? Os esqueletos dos animais consumidos pelas chamas? A nossa incapacidade de gerir um patrimônio planetário, infelizmente confiado à guarda de incompetentes? Não pode pairar dúvida a respeito da insanidade geral dos brasileiros. Os que preferem derrubar a floresta e substituí-la por grãos ou gado. Como se o extermínio do verde não coincidisse com o extermínio da vida. De que adianta o clamor unânime dos cientistas, há décadas alertando a humanidade surda e cega de que ela deveria cuidar melhor da natureza? Ouçam-se os derradeiros gritos de António Guterrez, para verificar a que ponto nossa insensatez chegou. A nossa Ribeirão Preto, que se orgulha de ser uma quase capital, cidade rica, de usineiros e de milionários, ficou cercada de nuvens de fuligem. Muito piores do que aquelas em que insistia, quando queimava a palha de cana-de-açúcar. E encontrava argumentos pseudocientíficos de que a queimada acabava com bichos peçonhentos e que, sem ela, os boia-frias não entrariam no canavial para a colheita. O dinheiro consegue estudos para dizer até que a biodiversidade do canavial é superior à da vegetação nativa da Mata Atlântica. Ou procede a cálculos bizarros, em que a soma das áreas verdes, considerada a Reserva Legal, as Áreas de Preservação Permanente, as áreas ambientalmente protegidas, os Parques Municipais e as Demarcações Indígenas, a soma de tudo isso chega a superar o território nacional. Tudo para justificar a destruição. Um raciocínio raso, ignorante. Pois a floresta em pé rende muito mais do que ela queimada. Parecemos surdos aos apelos da ONU. Ainda recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA divulgou um estudo em que enfatiza a urgência de enfrentamento sério e consistente da tríplice crise planetária: mudança climática (hoje é emergência climática, tal a gravidade da situação), a perda da biodiversidade e o excesso de poluição, principalmente causada pelo acúmulo de resíduos sólidos. Como observou Márcia Castro, professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escoa de Saúde Pública de Harvard, é um estado de policrise. Entretanto, ninguém recusa a validade dos ODS, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que passam a incorporar – pro forma – orçamentos e projetos de inúmeros setores. A Amazônia é um caso emblemático. Mais de trinta por cento de sua deterioração ocorreu nos últimos trinta anos. Quando ela deixar de ser o pulmão do planeta, quando conseguirmos acabar com os “rios voadores”, o Brasil e muitos outros países não terão chuva, não terão água, não terão vida. A situação da capital paulista é também lastimável. Os únicos mananciais da cidade estão no extremo sul, região de Parelheiros, Grajaú, Engenheiro Marsilac. Só que mais de mil nascentes já foram assoreadas em virtude de uma ocupação deletéria. Antes de construir às margens da Guarapiranga, ocorre o desmatamento. Com motosserra ou com trator, os últimos fragmentos de resíduos da Mata Atlântica desaparecem. Com eles, os córregos que já desapareceram. Em compensação, onze afluentes da represa nela despejam, ininterruptamente, esgoto in natura, substâncias químicas das indústrias regulares e clandestinas, toda a imundície que a população costuma jogar nos rios. Como se eles todos fossem coletores de lixo, assim como acontece com aquele curso escuro, morto e malcheiroso que ainda teimam em chamar de “Tietê”. O pior é que substâncias quais os antibióticos, antidepressivos, anticoagulantes, anticoncepcionais e anti qualquer coisa permanecem na água. Assim como cocaína, herbicida, toda espécie de veneno que o “progresso” manda consumir. Além de micropartículas de plástico, essa outra calamidade da qual não conseguimos nos livrar. Esse o líquido que o paulistano consome neste 2024. Embora exista uma Lei dos Mananciais, Lei da Guarapiranga, Lei da Mata Atlântica e Constituição Federal que, desde 1988, considera a Mata Atlântica o bioma destinado a especial proteção de parte do Estado e da sociedade. É o inferno, cada vez mais próximo, lembrando que ele existe. E foi fabricado por nós. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 29 08 2024 voltar |
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