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VARIAÇÕES SOBRE A LIBERDADE
Acadêmico: José Renato Nalini
Meditar sobre estes últimos aforismos é prudencial nesta fase em que tanto se invoca a liberdade, notadamente a de expressão. Quando as redes sociais eliminam os freios inibitórios, a ira, o ressentimento e a imbecilidade navegam airosamente pelo mundo web

Variações sobre a liberdade

Liberdade, direito fundamental contido no caput do artigo 5º da Constituição da República, é anseio de todos. Palavra mais pronunciada do que meditada. Na verdade, o que é liberdade? Filosoficamente, poderia significar ausência de algemas, de elos, de correntes e de grades. Não necessariamente físicas, mas aquelas intangíveis, mas que nos mantêm igualmente presos.

Aquele nosso velho conhecido, o Marquês de Maricá, também se deteve sobre ela e deixou, como legado, pensamentos que podem nos auxiliar na reflexão sobre o verdadeiro sentido da liberdade. Aqui vão alguns deles.

“A liberdade que nunca é suficiente para os maus é sempre sobeja para os bons. A liberdade embriaga como o vinho, e nos impele a iguais desatinos. A liberdade de mal fazer a ninguém se deve permitir, a de bem fazer sobeja a todos. O mais poderoso corretivo da nímia liberdade é a religião profundamente sentida e observada. Todos querem liberdade, muitos a possuem, poucos a merecem. Ordem social é limitação de liberdade; desordem, liberdade ilimitada. A maior parte dos males e misérias dos homens provêm não da falta de liberdade, mas do seu abuso e demasia. A liberdade é a que nos constitui entes morais bons ou maus: é um grande bem para quem tem juízo; e para quem o não tem, um mal gravíssimo”.

E mais: “Observa-se que os fanáticos de liberdade passam a sua vida em prisões, enxovias, presigangas e trabalhos. Deve-se usar da liberdade, como do vinho, com moderação e sobriedade. A plena liberdade é como a pedra filosofal: procurada por muitos e por nenhum descoberta. Não é livre quem não tem suficiente inteligência para haver ou defender a liberdade. O que ganhamos em autoridade, perdemos em liberdade. O grito de liberdade nos povos é o precursor ordinário da anarquia. Nunca os povos sofrem tanto como quando se fala mais em liberdade e menos em virtude e obediência. Quando em um povo só se escutam vivas à liberdade, a anarquia está à porta e a tirania pouco distante”.

Meditar sobre estes últimos aforismos é prudencial nesta fase em que tanto se invoca a liberdade, notadamente a de expressão. Quando as redes sociais eliminam os freios inibitórios, a ira, o ressentimento e a imbecilidade navegam airosamente pelo mundo web.

Voltemos a Maricá: “Os maus não querem liberdade para se fazerem bons mas para se tornarem piores. Nunca devemos recear-nos tanto de nós mesmos, como quando gozamos de maior e mais ampla liberdade. A paixão de liberdade em muita gente não é mais do que desejo de licença e impunidade. A maior loucura política é ampliar a liberdade a quem não tem suficiente capacidade para bem usar dela. De ordinário, os que reclamam mais liberdade são os que menos a merecem. Os povos mais livres são geralmente os mais ingratos”.

E ainda: “A liberdade de pensar pode ser ilimitada, a de falar, escrever e obrar deve ser muito restrita e definida; não ofendemos com o pensamento, mas com as palavras e ações. A liberdade da imprensa é talvez o melhor remédio e corretivo do abuso das outras liberdades. Nas maiores companhias temos a menor liberdade; somos plenamente livres quando estamos sós. Quando os códigos decretaram por penas dos maiores crimes a privação da liberdade ou da vida, reputaram ser estes os maiores bens da existência humana. Liberdade sem juízo é pólvora em mãos de meninos. A liberdade sem religião se converte em libertinagem e devassidão. Não cativemos o coração nem a razão: para a nossa felicidade, devemos sentir e pensar com liberdade”.

Por fim, “Quem se não receia da liberdade, não a merece. A liberdade sobeja sempre nos homens; o que lhes falta é juízo. Tudo quanto nos circunda limita a nossa liberdade. Esta é sempre menos real do que ideal. O homem em sociedade é um escravo que se imagina livre, e não pode sê-lo quanto presume, por sensível e passível em infinitas relações. Se pudéssemos conhecer e prever o futuro, não seríamos livres. O absolutismo bem entendido é o corretivo da liberdade mal compreendida. A liberdade é como o vinho: pouco, fortalece; muito, enfraquece. Fala-se muito em economia, onde é menos observada; e em liberdade, onde tudo e anarquia. A liberdade de imprensa, em alguns países, é a faculdade de anarquizar, seduzir e sublevar os povos impunemente”.

E então? Alguma atualidade nas máximas do Marquês de Maricá?

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 28 08 2024



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