|
||||
| ||||
Acadêmico: José Renato Nalini Não é de hoje que a idade avançada merece observação dos pensadores, que a consagram em inúmeros “ditados”, “máximas”, “aforismos”, quais os quase cinco mil elaborados pelo Marquês de Maricá. Dele são os que seguem, ora entregues à meditação de quem se dispuser a analisar esse conteúdo antigo, mas, na verdade, atemporal
PUBLICIDADE
Variações sobre a velhice O Brasil já não é o jovem país dos jovens. Ciência e seus avanços garantem longevidade. Ao menos para quem tem dinheiro para pagar planos de saúde, cada vez mais caros. O paradoxo é que os idosos têm sua vida prolongada por tratamentos, medicamentos e cuidados especiais e vem a emergência climática a colocar freio em sua existência. São as vítimas preferenciais das “ondas de calor” e das bruscas mudanças de temperatura provocadas pela insanidade no uso de venenos para facilitar a vida. Ou os combustíveis fósseis não são venenos? Mas não é de hoje que a idade avançada merece observação dos pensadores, que a consagram em inúmeros “ditados”, “máximas”, “aforismos”, quais os quase cinco mil elaborados pelo Marquês de Maricá. Dele são os que seguem, ora entregues à meditação de quem se dispuser a analisar esse conteúdo antigo, mas, na verdade, atemporal. “A velhice reflexiva é um grande armazém de desenganos. Os vícios nos velhos são inimigos acastelados que somente a morte pode expugnar. O moço devasso pode emendar-se; o velho vicioso é incorrigível. A mocidade viciosa faz provisão de achaques para a velhice. É bem singular que os moços sejam pródigos, podendo esperar uma vida longa, e que os velhos sejam avarentos, estando ameaçados de uma morte próxima ou iminente. Os velhos erram muitas vezes por demasiadamente prudentes, os moços quase sempre por temerários. Os velhos ruminam o pretérito, os moços antecipam e devoram o futuro. O órgão de que mais abusamos na mocidade é, ordinariamente, a sede dos nossos males na velhice. Quando os moços se consideram com mais juízo e de melhor conselho que os velhos, tudo vai perdido, os males não têm remédio. O velho calcula muito, executa pouco: a mocidade é mais executiva que deliberativa. A novidade incomoda os velhos, a uniformidade os moços”. “Os moços, por falta de experiência, de nada suspeitam; os velhos, por muito experimentados, de tudo desconfiam. É grande escândalo da natureza um velho namorado e libertino. Os achaques da velhice denunciam ordinariamente os vícios da mocidade. Os moços se comprazem no prospecto do futuro, os velhos no retrospecto do passado. Os velhos tornam-se nulos e inúteis à força de prudência e circunspecção. O amor nos velhos é como o fogo no borralho que em cinzas se entretém. É triste a condição de um velho que só se faz recomendável pela sua longevidade. Na mocidade buscamos as companhias, na velhice as evitamos: nesta idade conhecemos melhor os homens e as coisas. O moço, na primavera da vida, preza sobretudo as flores; o velho, no seu outono, aprecia somente os frutos. Os moços são tão solícitos sobre o seu vestuário, quanto os velhos são negligentes: aqueles atendem mais à moda e à elegância, estes à sua comodidade. Velhos há que bem merecem ser comparados aos vulcões extintos. Ambos se enganam, o velho quando louva somente o passado, o moço, quando só admira o presente. O futuro, que atormenta a velhice, deleita a mocidade. Os velhos que se mostram muito saudosos da sua mocidade não dão uma ideia vantajosa da madureza e progresso da sua inteligência. Os velhos prezam ordinariamente os mortos e desprezam os vivos. Os velhos importunam aos circunstantes com os seus achaques, como os litigantes com as suas demandas”. “O velho crê-se feliz em não sofrer, o moço infeliz em não gozar. A memória não falece aos velhos por falta de ideias, mas pela sua nímia variedade e acumulação. É feliz e ilustrada a velhice que chegou a conhecer e avaliar os prestígios e ilusões da vida humana, a descortinar as harmonias do universo, e a admirar em pleníssima convicção a infinita sabedoria e bondade de Deus que se revela em todos os pontos do espaço e em todos os instantes do tempo, com prodígios e assombros da sua onipotência. Nos moços predomina a força centrífuga, mas nos velhos a centrípeta: daqui a mobilidade de uns, a inércia e imobilidade dos outros. Os velhos são melhores panegiristas dos finados que dos vivos”. “Os velhos caluniam o tempo presente atribuindo-lhes os males que padecem, consequências do passado. O velho de juízo dá ao mundo a sua demissão, antes que este o demita. A mocidade é um sonho que deleita, a velhice uma vigília que incomoda. Os moços de juízo honram-se de parecer velhos, mas os velhos sem juízo procuram figurar de moços. Os velhos dão ordinariamente bons conselhos, para se remirem de haver dado maus exemplos. Não admira que os moços sejam pródigos e os velhos avarentos: no físico e moral, a mocidade é expansão e a velhice contração. A razão prevalece na velhice, porque as paixões também envelhecem. A gente moça evita a companhia dos velhos, como as pessoas suadas o ar frio, que as pode constipar. Os conselhos dos moços derivam das suas ilusões, os dos velhos dos seus desenganos. Os velhos são muito ciosos em amor, porque se receiam da concorrência. Os velhos invejam a saúde e vigor dos moços, estes não invejam o juízo e a prudência dos velhos: uns conhecem o que perderam, os outros desconhecem o que lhes falta”. Inevitável falar em “velho” e “velhice”, embora hoje se apregoe a pseudo-falácia da “melhor idade”. Maricá não deixa de ter um pouco de razão. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 27 08 2024 voltar |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |