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OS MAIS VULNERÁVEIS
Acadêmico: José Renato Nalini
Maltratamos a natureza, destruímos os recursos naturais, fizemos o planeta adoecer. Agora é agir, com vigor e presteza, para que se poupem vidas que têm direito a fruir daquilo que a ciência lhes garantiu: alguns anos mais de permanência nesta Terra, a única com que podemos contar

Os mais vulneráveis

Paradoxos de nossa era: a ciência garantiu longevidade para os humanos. Só que os próprios humanos provocam a natureza, produzem emissão de venenos que empesteiam a atmosfera, geram efeito-estufa e mudam o clima. Não bastasse 2023 ter sido o ano mais quente entre 125 mil outros e 2024 continua a quebrar recordes. O conceituado Observatório europeu Copernicus anunciou que abril deste ano foi o mês mais quente já registrado. A temperatura média foi 0,61º acima da média entre 1991 e 2020.

Todos sentimos as ondas de calor em novembro de 2023, que se repetiram em abril de 2024. O Instituto Nacional de Meteorologia – INMET chegou a anunciar a chegada de onda de frio. Não foi tão gelado quanto se esperava. São Paulo tem “ilhas de calor” que são fatais. No dia 9 de novembro, o dia mais quente do mês mais quente do ano mais quente, houve crescimento de internações de hipertensos, de diabéticos, de portadores de outras comorbidades, de grávidas e de crianças.

Em recente conferência, o notável cientista Carlos Nobre afirmou que os humanos não podem viver em temperaturas acima de 39 graus. Tudo indica ser esse limite rapidamente alcançado, se continuar a haver desmatamento na Amazônia e no cerrado, incêndio no Pantanal e devastação nos demais biomas, inclusive na nossa Mata Atlântica.

A notícia mais triste é que, se não for cumprido o Acordo de Paris, para redução das emissões, o planeta se tornará inabitável. Impróprio para a vida humana. E o que dizer quando quem nasceu em 1960 enfrentaria, no máximo, três ondas de calor durante sua existência enquanto quem nasceu em 2020 enfrentará ao menos trinta? Será que essas crianças de hoje chegarão a ser adultas se o planeta continuar a ser destruído?

O impacto das oscilações de temperatura tem sido examinado pelos cientistas e é também objeto de dissertações e teses. Uma pena que todos esses alertas não sirvam para converter governos e sociedade civil, para que os compromissos internacionais assumidos deixassem de ser letra morta, mas se tornassem obrigações estritamente cumpríveis e fossem, de fato, cumpridas.

É fácil constatar, no momento em que informações e dados estão cada vez mais disponíveis, que os idosos são os mais atingidos por esses fenômenos. Embora o Brasil não seja o modelo no respeito aos mais velhos, existem organizações do Terceiro Setor que se interessam por essa faixa crescente. Sim, o nosso país não é mais o “Brasil da juventude”. Jovens ajuizados não têm procriado exatamente como se ordenava no aforismo “crescei e multiplicai-vos”. A população da Terra já é mais do que suficiente. Os que meditam sobre qual o futuro a legar para a sua prole, ou não iniciam outra dinastia, ou se limitam a um só filho.

Mas os idosos já estão aí. Passaram por vicissitudes, angústias e sofrimentos. E são as vítimas preferenciais das intempéries climáticas. Principalmente os mais carentes, que não têm por si um acompanhamento médico suficiente para administrar as sequelas da idade.

Estresse térmico mata. Causa abortos espontâneos, agora em mulheres jovens, porque férteis. Situações especiais, como o passar dos anos ou a gravidez, causam redução da capacidade fisiológica para suportar temperaturas elevadas.

Se as mudanças climáticas se tornam mais frequentes e mais intensas, tanto o Poder Público, assim como a sociedade civil, precisam cuidar de mais ações de adaptação. Falava-se, até há pouco, em mitigação ou atenuação dos efeitos das mutações. Pois refrear a ação dos fenômenos está além da capacidade humana. Porém isto já não é mais suficiente. É urgente pensar em abrigos para acolher aqueles que não têm moradia condigna. Abrigos climatizados, onde haja água abundante para dessedentar, para higiene, condições de redução do calor para propiciar sobrevida. Tudo vai necessitar de energia. Daí outra urgência: a transição energética.

Muito além disso, é também necessário prosseguir na arborização, na construção de “jardins de chuva”, na ampliação de áreas cobertas de vegetação, pois só assim se conseguirá oferecer temperatura condizente com as fragilidades do corpo humano. Principalmente quando esses corpos já estão também cansados, sofridos pelo correr dos anos, acometidos daquelas companhias com as quais os velhos têm de se acostumar: as dores, os desconfortos, a perda de agilidade, a fraqueza, o desalento, o cansaço.

Maltratamos a natureza, destruímos os recursos naturais, fizemos o planeta adoecer. Agora é agir, com vigor e presteza, para que se poupem vidas que têm direito a fruir daquilo que a ciência lhes garantiu: alguns anos mais de permanência nesta Terra, a única com que podemos contar.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 22 08 2024



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