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FUI VÍTIMA DA IA
Acadêmico: José Renato Nalini
Enfim, a IA é uma conquista humana que deve ser regida pela ética, a ciência do comportamento moral do homem em sociedade, que é a matéria-prima de que o Brasil mais se ressente, em todos os seus quadrantes e setores

Fui vítima da IA

As boas invenções têm o seu lado perverso. Para ficar só na era recente, a internet. Permite que avós falem com seus netos que moram no exterior. Mas propicia aos espíritos da sombra disseminarem fake News, destruírem reputações, semearem o mal.

Assim vai ser também com a IA – Inteligência Artificial. Alguns a consideram a última invenção humana. Depois disso, ela própria se encarregará de tornar os humanos descartáveis. Impressiona que um grupo de cientistas tenha pretendido, no ano passado, dar um hiato de pelo menos seis meses nas pesquisas e descobertas de aplicativos baseados em IA, tal o receio de que ela se tornasse uma arma invencível.

A IA já está produzindo vítimas. Noticiou-se há dias que a Amazon tinha despedido dezoito mil colaboradores, pois o seu trabalho foi substituído com vantagens por robôs. Fiquei sabendo que uma planta que produz placas fotovoltaicas no Brasil precisa apenas de quatro servidores. Evidentemente, bem qualificados em eletrônica, informática, mundo web digital e outras das “novidades” que a disruptiva Quarta – ou Quinta? – Revolução Industrial nos trouxe.

Também no Judiciário a IA pode causar prejuízo. Por exemplo, prisões injustas por falhas no reconhecimento facial. A pesquisadora Verity Harding escreveu “AI Needs You” (“A Inteligência Artificial precisa de você”, em tradução literal) alerta sobre os cuidados que o uso dessa ferramenta impõe à sociedade mundial.

Ela identifica, no seu livro, alguns problemas reais da IA: o reconhecimento facial não funciona com pessoas de pele mais escura. Programas de tradução não entendem idiomas do chamado Sul Global, desrespeito aos direitos autorais, o engenho de “inventar” quando o ChatGPT não tem a resposta exata. E muitos outros virão, com certeza, assim que a IA estiver ao alcance dos bilhões de humanos que habitam a face da Terra.

Para Verity Hardin, é preciso “aceitar que alguns dos lados mais obscuros da humanidade, como ganância, maldade e sede de poder, vão, inevitavelmente, definir o desenvolvimento e o uso de sistemas de Inteligência Artificial, como já ocorreu com outras tecnologias”. Por isso é fundamental impor certos limites.

Foi o que aconteceu com a Internet. Ao seu surgimento, muitos se entusiasmaram. O ex-presidenciável americano Al Gore sustentava que uma internet sem regulação garantiria acesso igualitário ao conhecimento a escolas e bibliotecas esquecidas pelo poder público. Era a redenção daqueles que não tinham tido a oportunidade de estudar e de consultar o vastíssimo acervo de conhecimento hoje disponível a quem tenha curiosidade. Não foi o que aconteceu. A internet serve mais para entretenimento, gera fortunas para poucos e propaga mais tolice e maldade do que benefícios.

A fome por ouro é que tange as atividades humanas, infelizmente. O “amor ao próximo” é algo tão absurdo que se torna uma utopia. Assim, é de se esperar que os avanços da IA atendam mais aos interesses do capitalismo do que à edificação da sociedade justa, fraterna e solidária prometida pelo constituinte de 1988.

É preciso aproveitar a IA como ferramenta de resolução de problemas. O maior deles, a crise climática. IA pode nos fornecer dados importantes para ajudar a reduzir as emissões de carbono, para mostrar quais as áreas mais necessitadas de replantio, para identificar as “ondas” ou “bolhas” de calor, para prever as áreas mais vulneráveis quanto a alagamentos, enchentes e inundações.

Também se pode valer da IA para prever os prejuízos a serem colhidos se não houver precaução e prevenção e se preferir aguardar o desastre para depois remediar. Pela IA podemos saber, precisamente, qual o número de internações de pessoas que sofreram pelos efeitos do excessivo calor nestes dois anos – 2023 e 2024 – que foram e estão sendo os mais quentes da história.

Enfim, a IA é uma conquista humana que deve ser regida pela ética, a ciência do comportamento moral do homem em sociedade, que é a matéria-prima de que o Brasil mais se ressente, em todos os seus quadrantes e setores. Que a ética saiba encontrar soluções para minimizar os efeitos deletérios do mau uso de algo que pode sugerir ao pretensioso animal racional acreditar que está cada vez mais próximo das potencialidades do Criador.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Blog do Fausto Macedo, em 15 07 2024



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