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Acadêmico: José Renato Nalini Paris sempre encantou quem a visita. Giovanni Papini, em suas memórias, recorda-se da viagem que fez em 1914. ‘Nunca vi Paris tão festivamente plena de sol e de inteligência como na primavera de 1914?
Primavera em Paris Paris é uma sedução. Quando fui lá pela primeira vez, há quase cinquenta anos, ouvia continuamente a música francesa a me embalar. Voltei inúmeras vezes. Fiz vários cursos na Escola Nacional da Magistratura, cuja sede é na Ile de la Cité. Minha sala de aula permitia enxergar Notre Dame por trás. Era impossível não se embevecer e não se perder na imaginação. A Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, estava na reunião que o Papa convocou em maio, para falar sobre mudança climática. Aproveitou para convidar todos os colegas para as Olimpíadas, prometendo que iria mergulhar com eles no Sena. Quando poderemos fazer isto em São Paulo, naquele canal praticamente morto que se chama Tietê? Paris sempre encantou quem a visita. Giovanni Papini, em suas memórias, recorda-se da viagem que fez em 1914. “Nunca vi Paris tão festivamente plena de sol e de inteligência como na primavera de 1914. Parecia que a velha Europa, antes de envolver-se no manto de fogo e luto, quisera oferecer uma última corrida “aux flambeaux” em um de seus mais famosos boulevards”. Narra que existia por todas as partes uma alegre prontidão, uma volúpia de experiências, um desejo de tentar e de superar que dava ânimo e valor aos mais adormecidos, esperanças e embriaguez aos mais propensos aos riscos. Falava-se em novas teorias, nasciam revistas, abriam-se exposições, revelavam-se poetas e pintores. Papini viajou com Soffici e Carrá e logo chegaram Marinetti e Palazzeschi. Paris lembrava a Alexandria da cultura moderna, à qual convergiam pessoas de todas as partes da Europa. Os pintores mais famosos se chamavam Picasso, Juan Gris, Modigliani e Van Dongen; os escultores mais célebres eram Rosso e Archipenko e havia escritores provenientes de todo o planeta. Ele se encontrou lá com o inolvidável Guillaume Apollinaire, escritor francês, mas nascido em Roma, de mãe polaca. Corria em Paris a lenda de que era filho de um Cardeal, talvez porque sua corpulência e, sobretudo, a característica de ser bonachão, em seu amplo rosto, tinham algo do perfil de um prelado. Apollinaire era um dos mais audazes e discutidos escritores de Paris e a ele se devia, entre outras coisas, a teoria e o êxito da pintura cubista. Nada tinha do hirsuto refratário das passadas guerras literárias e artísticas. Era mais um afável senhor, um cavalheiro de fino trato. O convívio com ele era muito agradável. Tinha vastíssima cultura e conhecia os segredos e mistérios das antigas doutrinas e da literatura proibida. Falava italiano. Havia publicado “Alcools”, o que lhe garantia ser considerado poeta original, liberado dos lastros do simbolismo e, por suas novelas, era um dos legítimos precursores do surrealismo. Tornou-se logo amigo de Papini, convidando-o para escrever na revista que acabara de fundar: “Les Soirées de Paris”. Papini escreveu um artigo, traçando um paralelo entre Croce e Bergson. Com Apollinaire o fiorentino passou muitas formosíssimas horas. Um dia iam ver os “marchands de tableaux”, que exibiam a pintura cubista. Outro dia, uma exposição de vanguarda. À noite frequentavam os bares e percorriam as alamedas que ladeavam o Sena e onde os comerciantes, sob os plátanos, vendiam de tudo. Mas Papini ainda conheceu Max Jacob, já convertido ao catolicismo, sem perder sua índole enigmática, caprichosa e às vezes diabólica. “Também ele tinha algo de cura (sacerdote), mas do cura desconsagrado, vagabundo, pobre e parasita, um pouco viciado, um pouco genial, um pouco equívoco. Tinha uma estranha cara de jovem envelhecido cedo, uma cara enrugada e consumida, não se saberia dizer se por ascese ou por sensualidade”. O grupo frequentava a casa de Picasso, à qual acudiam muitos pintores franceses e estrangeiros, inclusive o “Príncipe dos Poetas”, Paul Fort. “Paul Fort tinha realmente algo de príncipe destronado: um pouco triste, um pouco cansado, um pouco distraído, com um nobre rosto onde brilhavam dois olhos escuros e profundos de grande visionário”. Em Paris, todas as primaveras têm seu singular encanto. A escritora Betty Milan, que ali reside à rue des Archives, no Marais, produz textos belíssimos sobre essa cidade mágica, farol que continua a iluminar nossos sonhos. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 26 06 2024 voltar |
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