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Acadêmico: José Renato Nalini Como seria bom lembrar-se de que a vaidade a nada conduz, senão ao ridículo. E que o mundo existiu milhões de anos antes de nossa chegada. E talvez possa continuar a existir outros milhões de anos após à nossa partida. E, para isso, nem precisou antes, muito menos precisará depois
Vãs ilusões A breve permanência de qualquer ser vivo sobre este planeta nem sempre é observada por quem se ilude com a utopia de aqui permanecer para sempre. Tivéssemos em mente o quão efêmera é esta passagem e talvez contemplássemos aquilo que realmente vale a pena. Mas é raro que alguém aprenda e apreenda quão breve é a passagem. “Falsos vivos” é como Giovanni Papini chama os ávidos por glórias humanas. O ambiente favorece tal sentimento: “enquanto viviam, pareciam indispensáveis”. Incontáveis lauréis não bastavam para saciar sua sede por fama. Não havia trompas suficientes para anunciar sua glória. Comendas, estrelas, placas e cruzes distintivas ornavam seus peitos e suas vitrines de consagração. Só que, “apagado o último círio das exéquias, se apaga de repente também a lembrança de seu nome e o silêncio os envolve como simples túnica de pedra fria”. Outros humanos, que Papini chama “os verdadeiros”, começam verdadeiramente a vive naquele dia em que a vida deles se retira, mas só em aparência. Não se serviam do corpo para exibicionismo. Tão discretos e modestos, eram praticamente invisíveis. Foi necessária a morte para trazê-los mais próximos e para que seus méritos fossem reconhecidos. Como o grão de trigo do Evangelho, tiveram de morrer para nascer. Leopardi escreveu, com acerto: “É curioso ver que os homens de muito mérito são sempre de maneiras simples, e que sempre as maneiras simples são tomadas como indício de pouco mérito”. Esta verdade leopardiana merece reflexão. É cada vez mais difícil encontrar um sábio de maneira simples e afável para com todos. Não que faltem homens de muito mérito. Parece que os que enxergam um pouco mais do que os outros – “em terra de cego...” – tornaram-se mais astutos e, conhecendo o humor do vulgo, se esforçam em não ser simples, para não dar a entender que não têm méritos. O verdadeiro sábio precisa parecer com Sócrates: “só sei que nada sei”. O inexpugnável conhecimento infinito é inacessível aos humanos. Quem estuda muito – e isso não significa subordinar-se à educação convencional, que se esquece do principal: as habilidades socioemocionais – sabe que o acesso ao conhecimento só permite vislumbrar a imensidão do universo ainda não desvendado. Universo que inclui a vastidão da mente das criaturas que se autointitulam racionais. Um labirinto emaranhado cada vez mais surpreendente e, quanta vez, assustador! Um velho profeta disse um dia a seus amigos: “Se soubésseis o que eu sei, riríeis pouco e choraríeis muito”. Isso poderia ser dito por quem muito viveu e muito pensou. Talvez seja por isso que os idosos profetas de hoje sejam taciturnos e falem cada vez menos. Sua manifestação de verdadeira sapiência é o silêncio. Enquanto isso, os néscios fazem questão de propalar sua hipocrisia em milhares de mensagens produzidas a cada instante e propaladas pelas redes, para conquistar milhões de seguidores. É paradoxal que tanto se propale progresso e conquistas científicas e tecnológicas e, simultaneamente, haja tanto motivo para se envergonhar da espécie humana. Quanta maldade o mundo micro, quanta perversidade no mundo macro. O paradoxo de se conquistar a longevidade e se abreviar a vida de tantos humanos que poderiam permanecer durante algum tempo mais neste planeta, não fora a destruição da atmosfera, a contaminação da água, a supressão da cobertura vegetal. É crível que as pessoas produzam tantos resíduos sólidos – o eufemismo com que hoje chamamos o lixo, até porque lixo pode ser luxo... – que o poder público tenha de gastar com varrição e coleta bilhões dos escassos recursos de um país desigual? Quanta gente não poderia criar esquemas protetivos da vida, incluindo a natureza, da qual fazemos parte e privilegiando as criaturas que se acreditam serem imagens e semelhanças divinas, mas passam a sua vida matando o tempo. Esquecem-se de que o tempo, mais forte o que eles, ressuscita a cada manhã e, para vingar-se, um dia acaba por matá-los todos, de maneira absoluta e definitiva, deles não conservando nenhuma recordação. Como seria bom lembrar-se de que a vaidade a nada conduz, senão ao ridículo. E que o mundo existiu milhões de anos antes de nossa chegada. E talvez possa continuar a existir outros milhões de anos após à nossa partida. E, para isso, nem precisou antes, muito menos precisará depois. Se isso ocupasse um instante de nosso tempo perdido, talvez pudéssemos destiná-lo a coisas mais sãs e nobres, como tentar reduzir a pesada carga de angústia que recai sobre todos os viventes. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Blog do Fausto Macedo, em 24 06 2024 voltar |
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