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Acadêmico: Gabriel Chalita Na partida, não levamos nada, apenas as pétalas que simbolizam as ternuras que plantamos por aqui.
O cair das pétalas Era um dia como qualquer outro dia. Para alguns, quente, para outros, frio. Era uma tarde como qualquer outra tarde que separa o amanhecer do despedir do dia. Era um entrar de pessoas e um silêncio levemente quebrado por alguns dizeres ao pé do ouvido, em sinal de respeito. Era um chorar contido e um soluçar mais dolorido da surpresa do corpo sem vida descansando no caixão. A morte não é uma surpresa. Nós, pétalas, não pensamos na morte. Nós, pétalas, não pensamos. Nascemos broto, nos formamos rosa, perfumamos algum tempo e nos despedimos. Quando somos colhidas, não sabemos para onde vamos. Enfeitar algum ambiente, preencher de beleza os espaços dos casamentos, das festas, dos batizados, dos velórios. Nos velórios, nos usam para suavizar a quentura ou a frieza da vida. Nós, pétalas, também somos dizeres para encontros de amor. O morto foi certamente amado. Sei nada das pessoas que, agora sentadas, olham para o caixão. Algumas foram mais próximas, outras vieram em sinal de respeito ou em solidariedade à dor dos irmãos. Uma mulher quebra o silêncio com um andar mais desajeitado em um salto pouco discreto. Um homem tenta encontrar um espaço entre as coroas que trazem dizeres bonitos de despedida. As coroas ameaçam a cair. As pessoas se voltam para o fundo. O homem se envergonha e equilibra a queda e volta para o silêncio. É quase um dançar o olhar para um lado e um devolver o olhar para onde se deve olhar no dia da despedida. A vida é um equilibrar e um cair e um levantar e um cair novamente e um aprender a equilibrar. E um desaprender. E um prosseguir tentando. O corpo é um depositório de histórias tristes e de outras felizes. É um recebedor de beijos, abraços e de ofensas. É um templo do sofrer o tempo e os tempos de incompreensão. Ninguém vive compreendido o tempo todo! A música que escolheram é bonita. As palavras que foram ditas, também. Presto atenção nas orações. Dizem sobre a vida que deixa de ser vida para ser vida onde não sabemos. Eu acredito. Sou pétala. Pétalas acreditam nos dizeres belos. Estamos no alto. Eu e as outras pétalas. Estamos no alto arrumadas para chover, quando o caixão for descer. Estamos no alto para cair amor no último amor a ser dado ao corpo que volta para a terra. O corpo é terra também. E é água. E é vento. Na sala, não há vento. Há o fogo das velas lembrando a luz que gasta, que se apaga, que nunca deixa de ser luz. Nós, pétalas, saímos da terra e voltamos para a terra. É tudo tão pensado. Não por nós. Eu sou pétala, como disse, não penso. Apenas sei dos espinhos e do perfume. É tudo pensado por quem fez tudo. O homem, as pétalas e todo o resto. Gosto das despedidas, porque não acredito nelas. Como sou pétala, sou perfume que permanece e sou tão pétala quanto as outras pétalas que já vieram e as que ainda virão. Pétalas prosseguem existindo. Vidas, também. Vejo uma criança no colo da mãe. Chegou há pouco tempo. Desejo que ela saiba escolher o belo na bela experiência que é o existir. Agora, é a última música. Uma música de amor. As lágrimas começam a dizer as histórias que cada um teve com o morto. O morto que é vida onde ninguém vê. E começamos nós, as pétalas, a cair sobre o corpo. Nada mais nos resta a não ser o ensinar o que a morte ensina. Na partida, não levamos nada, apenas as pétalas que simbolizam as ternuras que plantamos por aqui. Publicado no jornal O Dia, em 02 06 2024 voltar |
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