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Acadêmico: José Renato Nalini Será que o "Corpo de Deus", já que nos colocamos na condição de "imagem e semelhança" a Ele, o Criador, não está também nesses sofridos semelhantes abandonados à própria sorte?
O que é o Corpo de Deus? A celebração do "Corpus Christi", uma das mais bonitas festas católicas, é a oportunidade de recordar que o Criador ofereceu-Se em sacrifício, para redimir a humanidade. A paixão e morte de Jesus Cristo foi fato histórico e definitiva mudança do destino dos humanos. Nem sempre os cristãos atentam para a dimensão desse mistério. Um atentado contra a divindade não comportaria um pedido de desculpas ou um singelo perdão de parte da criatura. Era preciso a imolação divina. Jesus, o Filho de Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, assumiu a humanidade para saldar esse débito. Algo inacessível ao comum dos mortais, imersos na rotina da sobrevivência. Pouco afeitos às elevadas questões filosóficas. Mas a fé independe de raciocínio. Gosto de recordar um fato constante da vida de Santo Agostinho, o Bispo de Hipona e um dos maiores filósofos que a História registrou. Ele estava refletindo sobre o mistério da Santíssima Trindade e encontrando dificuldade para elucida-lo. Caminhava pela praia enquanto um garoto repetia um exercício que o intrigou: colhia água do mar numa conchinha e a despejava num pequeno orifício na praia. Depois de observar o trajeto do garoto por inúmeras vezes, Agostinho indagou: - "Garoto, o que você está fazendo?". E a resposta: - "Estou transportando toda a água do oceano para este buraco!". Agostinho riu e retrucou: - "Mas isso é impossível! Veja a dimensão do mar e a do furo que você fez com o dedo na areia!". Antes de desaparecer, o menino falou: - "É mais fácil eu colocar toda a água do oceano nesse buraquinho, do que você entender o mistério da Santíssima Trindade!". Assim é que a fé supre a inteligência. Sinal de humildade dos miseráveis seres finitos, que nascem e caminham em direção à morte, aceitar que existe um Deus capaz de tamanha doação, que enfrenta injúria, suplício, martírio e morte. Morte infamante, pregado a uma cruz, para que se restabelecesse a aliança entre Criador e criatura. Pensar sobre o significado do "Corpus Christi" é também oportunidade para questionar qual o nosso respeito em relação ao corpo invisível de irmãos excluídos da vida digna. Aumenta o número dos moradores de rua, dos desvalidos, dos desafortunados. O exemplo maior que pode ser testemunhado em nossos dias está na atitude corajosa e insólita do Papa Francisco. Assim que assumiu a Cátedra de Pedro, a suceder o filósofo Bento XVI, que continuou como Papa Emérito, depois de renunciar ao Pontificado, ele resolveu acolher aqueles repudiados filhos do mesmo Deus. Encarregou o Cardeal Konrad Krajewski, polonês que veio a Roma com João Paulo II e foi mantido na Santa Sé, mercê de suas qualidades. Os "homeless" de Roma puderam armar suas barracas sob a colunata de Bernini, ornamento arquitetônico admirado pelo mundo inteiro. Mediante o compromisso de as desarmarem às seis da manhã. Mas têm o seu café da manhã, a sua muda de roupa, o consultório médico e dentário. São tratados como gente. Será que o "Corpo de Deus", já que nos colocamos na condição de "imagem e semelhança" a Ele, o Criador, não está também nesses sofridos semelhantes abandonados à própria sorte? Honrar o Corpo de Cristo não é encarar cada ser humano como algo digno de respeito, de consideração, em tudo idêntico àquela compleição física sacrificada no Calvário? Todos teremos igual destino: a morte. Ela não poupa ninguém. Mas para os que creem, ela é passagem. Sairemos deste estágio como um dia já saímos do acolhedor ventre materno para encarar a vida. E, se Deus permitir, encararemos a fase definitiva do abrigo no colo Dele. Feliz "Corpus Christi" para todos os irmãos da única família humana em peregrinação pela Terra. Publicado no Jornal de Jundiaí, em 30 05 2024 voltar |
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