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Acadêmico: José Renato Nalini O que temos feito de nosso tempo? Responder a isso ajuda também a identificar o que fazemos com nossa vida.
O que fizemos de nossa vida? No livro muito citado e pouco lido – “Ética a Nicômaco”, Aristóteles afirmou que uma boa sociedade desenvolve três formas de viver: a vida do conhecimento e da produtividade, a vida do entretenimento e a vida da contemplação. Essa ideia pode ser transplantada para o fenômeno da escassez de leitura, própria a grande parte das novas gerações. A leitura propicia ao ser humano levar a sério essa concepção aristotélica tão verdadeira. Pois o primeiro passo – ou a primeira vida – do bom leitor, não é senão a coleta de informações e a aquisição de conhecimentos. Queira-se ou não, tenha-se ou não consciência, qualquer leitura introduz informações e sedimenta conhecimento à consciência de quem lê. Numa segunda vertente, a leitura é diversão. É entretenimento e lazer. O apaixonado por livros se delicia ao encontrar, com abundância, fatores de se alegrar, de se emocionar e de se enternecer, quando mergulha na sequência de letras, de palavras, de linhas, de parágrafos e de páginas de uma boa obra. Não há prazer que se compare ao da imersão em histórias de outras existências, ao acompanhar romances, ao ter a curiosidade aguçada pelo desfecho de uma narrativa, à identificação de sentimentos ternos que surgem quando se lê uma poesia. A leitura, diz Maryanne Wolf, no fabuloso livro “O cérebro no mundo digital – Os desafios da leitura na nossa era”, é “embarcar a baixo custo neste transporte que nos leva para longe de nossas rotinas frenéticas”. Já a terceira vida, consiste no ponto culminante da leitura. É a experiência reflexiva, que nos propicia adentrar um reino pessoal, inteiramente invisível, a nossa intimidade inacessível a qualquer outro ser humano. A possibilidade de meditar sobre este universo cujos reais mistérios suplantam a mais criativa imaginação. Será que temos nos empenhado em meditar, em refletir, ou a nossa leitura é um exercício automático de acompanhamento das palavras, sem absorção profunda do seu conteúdo interior? Um dos grandes perigos desta nossa idade de encantamento e de ingenuidade tecnológica é que o universo digital poderia gerar certa indiferença pelo pensamento meditativo. Para Heidegger, isso faria com que o homem negasse e jogasse fora a natureza própria à sua espécie: o fato de ser um ente que medita. Daí sua pregação por salvar a natureza essencial do homem e abraçar o projeto de manter vivo o pensamento meditativo. O nosso apego à matéria, o nosso egoísmo, o excessivo consumismo e o crescente descarte de objetos e de pessoas, tudo aliado a uma relação fragmentária com o tempo, nos torna uma categoria de autômatos. No dizer de Teddy Wayne, no New York Times, “a mídia digital nos treina a ser consumidores de banda larga, em vez de pensadores meditativos. Baixamos ou reproduzimos uma canção, um artigo, um livro ou um filme instantaneamente, vamos até o final dele (quando não somos agarrados pela oferta de outros itens disponibilizados) e passamos à próxima coisa irrelevante”. Ou, como observou Steve Wasserman, “o ethos da aceleração valorizado pela internet será que não diminui nossa capacidade de decisão e enfraquece a nossa capacidade de reflexão genuína? Será que a avalanche diária de informações não destrói o espaço necessário para a verdadeira sabedoria?”. A conclusão é óbvia: sem livros, sem letramento, a boa sociedade, o convívio saudável desaparece e a barbárie triunfa. Nossa relação com o tempo é mais do que problemática. O tempo é um insumo que parece infinito, mas que é tão precioso, que ninguém pode comprar um acréscimo ou retomar aquilo que se perdeu. Uma hora em vão é contabilizada na duração de nossa permanência neste planeta. Temos muito pouco tempo para o infinito de nossa vã pretensão de fictícia eternidade. Concordo com Eva Hoffman, no seu ensaio em “Time”: não nos esqueçamos de que “a necessidade de reflexão, de fazer sentido em nossa condição transitória, é a dádiva paradoxal que recebemos do tempo, e, possivelmente, o melhor consolo” para quem tiver consciência de que não disporá de todo o tempo do mundo para concretizar as suas ambições. O que temos feito de nosso tempo? Responder a isso ajuda também a identificar o que fazemos com nossa vida. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 24 05 2024 voltar |
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