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Acadêmico: José Renato Nalini É recorrente a crítica à sistemática de escolha de um ministro para o STF. Essa polêmica sempre existiu.
Difícil escolher ministro É recorrente a crítica à sistemática de escolha de um ministro para o STF. Essa polêmica sempre existiu. Desde o surgimento da República ela se trava nos meios jurídicos e na mídia. Hoje, nas redes sociais e com a participação de pessoas que, há algumas décadas, não se interessavam pelo assunto. Essa parece a mais evidente forma de “participação popular” na administração da Justiça, já que as demais propostas pelos pensadores não vinga no universo forense, resistente a inovações. Quem se dispuser a vasculhar a história do Supremo verá que a seleção de seus integrantes é no mínimo curiosa. Um de seus ministros foi Ubaldino do Amaral. Advogado envolto em auréola de respeito e confiança, coincidente com sua figura, à qual uma cerrada barba negra conferia severidade. Afável e de extrema simpatia. Advogado com todos os méritos e de notória integridade, orador fluente e vigoroso. Homem de evidente prestígio. Natural fosse um nome lembrado para exercer a jurisdição na cúpula do Judiciário brasileiro. Campos Salles, então Presidente da Província bandeirante, insistia com seu amigo Prudente de Moraes, primeiro Presidente civil da República seu velho companheiro de lutas políticas. Prudente aceitou a sugestão. Campos Salles levou várias horas, em dias seguidos, procurando mostrar a conveniência de nomear para o Supremo Tribunal homens de primeira ordem, para atenuar um pouco o efeito desastrado das nomeações feitas pelo Marechal Floriano. Este escolhera dois generais e um médico, além de que era mister conferir prestígio o tribunal a que se reservara tão fundamental missão para o funcionamento das instituições. O Presidente hesitara entre Affonso Penna e Bernardino de Campos. Acabou convencido de que Ubaldino do Amaral seria a melhor solução. Este recusou insistentemente, mas não soube resistir diante dos fortes argumentos do Presidente, seu amigo também. Affonso Penna continuou na cogitação de Prudente, que o convidou para a vaga seguinte, mas que veio a ser ocupada por Lúcio de Mendonça. Para Ubaldino, aceitar essa honraria representava enorme sacrifício. Exercera, durante toda a sua vida, a advocacia militante. Não se sentia seguro quanto a poder se desincumbir com o mesmo brilho, no exercício da judicatura. Eram tempos em que o pudor era uma qualidade essencial nos homens de bem. O ambiente em que militava, não tinha d´vidas. Seu espírito honesto, sua vasta cultura, seu profundo senso prático, sua integridade moral, eram garantias seguras de que o grande advogado seria grande Juiz. Ocorre que Ubaldino tinha amor à profissão e não lhe sorria deixá-la. Pesou também o aspecto econômico. Os vencimentos de Ministro do Supremo Tribunal eram, em 1895, de dezoito contos anuais. Como Senador e advogado ganharia ao menos quatro vezes mais. Não era, contudo, criatura a que movessem questões financeiras. Ao contrário, era um desprendido nesse terreno. Ainda no tempo do Império, ganhara prêmio de cem contos na loteria e disso resultou que, tantas foram, de amigos e correligionários, as solicitações que o bafejo da sorte justificava, que ao fim de três meses já havia cedido empréstimos de cento e vinte contos... De qualquer forma, embora levando vida modesta, se os proventos profissionais se reduzissem aos vencimentos do Judiciário, sua vida entraria em regime deficitário. Foi por isso que Ubaldino, constrangido no exercício da magistratura, voltou ao escritório menos de um ano depois. Não se apegava a cargos. Hoje talvez ninguém se lembre de Ubaldino de Amaral, no Brasil em que tão depressa se esquecem nomes honrados, cuja memória deveria servir de ensinamento. Não o motivava estar ao lado do poder. Recusou o convite de Prudente para ser Ministro da Justiça ou das Relações Exteriores. Declinava e indicava outras figuras, como Carlos de Carvalho. Quem o conhecia aspirava que ele chegasse à Presidência da República. Mas era, coisa rara no Brasil de então e hoje extinta, era desambicioso. Nunca pretendeu alcançar qualquer honra estatal. Ficou na simplicidade de sua vida. Na corrida insana e insensata em busca de cargos, o vale-tudo se instaurou nesta República em que ética é uma palavra sem sentido. De tanto pronunciada e não praticada, foi arremessada ao arquivo morto da arqueologia semântica. Faltam Ubaldinos ao Brasil do século XXI. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 21 05 2024 voltar |
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