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Acadêmico: José Renato Nalini Como jurista e juiz, Pedro Lessa foi incensurável e seu exemplo de elegante altanaria no trato do semelhante deveria servir para iluminar algumas mentalidades ainda envolvidas em obscuridade.
Ministros de outros tempos Quando se constata o tratamento que as redes sociais dispensam aos atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal, pode-se refletir sobre o quão diferentes são as eras e os costumes. Logo que criado o órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, a preocupação do governo era provê-lo de luminares respeitados em sua origem. Um dos mais notáveis Ministros que já integrou o Supremo foi Pedro Lessa. Meu orientador no Mestrado e Doutorado na USP, o inovador e criativo constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho dizia que Pedro Lessa fora quem melhor escrevera sobre o Poder Judiciário no Brasil. E que seu quisesse contemplar essa Instituição em minhas pesquisas, não poderia deixar de me abeberar em sua obra. Pedro Lessa chegou ao STF em 1907, coberto do prestígio que lhe dera o exercício brilhante do magistério na São Francisco e na advocacia. Era magistrado que não tinha o preconceito do isolamento e a repugnância do convívio com advogados. Estes, por preceito fundante, são essenciais à administração da Justiça. Não se concebe sejam repudiados por juízes de todas as instâncias, como se importunassem suas excelências com requerimentos e pleitos em nome de seus constituintes. Pedro Lessa não se contaminou do corporativismo que ainda existe. Convivia, amistosamente, com os causídicos e com diversas partes. Nunca se lhe imputou parcialidade ou suspeição. Quem tem segurança não teme aleivosias. Sua vida intelectual ou levou à Academia Brasileira de Letras, em 1910. Não faltava às reuniões das quintas-feiras. Era um causeur admirável. Deliciosa a sua palestra, sempre viva e interessante. Um extraordinário caminhador. Residia à rua Marquês de Abrantes, nas proximidades da praia do Flamengo e ia a pé do Tribunal para casa. Quando encontrava algum conhecido no trajeto, encetava conversação que se prolongava, amistosa e agradavelmente. Muitas vezes, ia até à casa do casual acompanhante, alegando necessitar exercitar-se mais. Só depois voltava para a sua residência. Era também brincalhão e gostava de pregar peças aos amigos mais próximos. Certa feita, a Academia convidou Alberto Faria, o erudito crítico literário de Campinas, para integrar o rol dos imortais. Pedro Lessa passou um telegrama a Alberto de Faria, comunicando a eleição, sabendo que só havia quase identidade de nomes, mas eram pessoas distintas. A missiva dizia: “Parabéns! A glória tarda mas chega. A Academia acaba de recompensar seus méritos”. Alberto de Faria, que conhecia Pedro Lessa e suas pilhérias, respondeu no dia seguinte, com apenas quatro palavras: “O Bobo é outro!”. Só muito mais tarde, já morto Pedro Lessa, diante da consagração literária do livro “Mauá”, Alberto de Faria também foi acolhido pela Casa de Machado de Assis. Em seu discurso de posse, fez referência ao episódio, reverenciando o imortal que já ganhara a eternidade. Em relação à Academia, o Silogeu criara para seus membros um fardão bordado a ouro, vistoso e reluzente, como o de um antigo embaixador. Foi ideia de Medeiros de Albuquerque e, a juízo de muitos acadêmicos, uma infeliz ideia. Foi dele a ideia anacrônica e espetaculosa de fazer revestir de pano verde e bordados dourados os integrantes de uma Academia de Letras. Até a Academia Francesa, na qual se inspirou Machado de Assis, e que existe desde o século XVII, possui um uniforme mais discreto. Todavia, o costume vingou e ninguém tem coragem de dispensar o fardão, que já foi nome de livro de Jorge Amado: “Farda, fardão, camisola de dormir”. Era praxe que o município onde nascera o novo imortal se encarregasse de custear a confecção do traje, que é muito caro. Pedro Lessa teve de encomendar o seu. Seu pai, velho mineiro de Diamantina, homem rústico e afeito à simplicidade tradicional do brim de sua terra, ficou arrepiado ao ver o filho assim fantasiado. Censurou-lhe, dizendo que não ficava bem vestir-se assim, principalmente por ser um Ministro da mais alta Corte de Justiça de sua Pátria. A partir daí, quando tinha de se enfarpelar para uma sessão solene, Pedro Lessa, cujos pais residiam com ele, tinha de sair de sua casa pelos fundos. Para não enfrentar a caçoada paterna. Era o fidalgo fardado e armado de espadim, deixando sua residência pela porta de serviço. Como jurista e juiz, Pedro Lessa foi incensurável e seu exemplo de elegante altanaria no trato do semelhante deveria servir para iluminar algumas mentalidades ainda envolvidas em obscuridade. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 05 2024 voltar |
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