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A FLOR APRENDENDO O SOL
Acadêmico: Gabriel Chalita
Eu estava gostando daquela flor aprendendo o sol.Choveu na madrugada. O sol depois da chuva é mais bonito.

A flor aprendendo o sol

O dia ainda dormia quando acordei. Uma ansiedade dizia coisas quando quem deveria dizer era o silêncio. As noites indormidas parecem ruídos sem desligamentos.  Eu estava com medo do que teria que enfrentar.

O pensamento, que não controlo, que ninguém controla, pensava no depois. Ou no antes. Por que as doenças existem? Por que eu que sempre me cuidei ganhei um câncer no seio esquerdo?

Meu marido era inteiro ao meu lado para os enfrentamentos necessários. Minhas filhas, também. Mas era em mim a doença. 

Sentei diante da paisagem. Há um jardim pequeno que vejo quando o sol começa a clarear o dia. E foi , então, que uma flor chamou minha atenção. Não sei por quê.
 
Era uma rosa solitária entre brotos de rosas e outras flores. Pensei em outras mulheres que enfrentam esses tratamentos. Pensei nas que não têm ninguém. Eu tinha amor suficiente para prosseguir. E estava solitária. Meu marido é tão cuidadoso com o amor que, se soubesse que eu estava acordada, acordaria. 

Eu estava gostando daquela flor aprendendo o sol.Choveu na madrugada. Chuva leve. O sol depois da chuva é mais bonito. Sempre soube disso. 

A flor solitária dizia algo que acalmava minha solidão. É pena que sua beleza se despeça tão rapidamente. Desisto desse pensar. E olho a flor inteira. 

Estou inteira mesmo sabendo que um pequeno pedaço de mim será retirado. Mesmo sabendo que eles reconstruirão. Mesmo sabendo que os que me amam prosseguirão comigo. 

O amor independe do tempo do existir da flor ou das feridas que crescem na gente e que precisam ser retiradas.  Quando do resultado do exame, meu marido, mãos dadas comigo, disse delicadezas. Voltamos para casa rompendo silêncios. Ele queria preencher os meus vazios com novidades. 

O amor floresce nos conhecimentos. Ele conhece os meus medos. Minha mãe se foi depois de lutas inclementes contra um câncer. Não era no seio, mas era câncer. 

Eu não disse dela no momento da conversa com o médico. Do mesmo médico que, um dia,  deu um abraço prolongado em mim dizendo nada mais poder fazer. 

Eu ainda não aprendi as despedidas. Alguém aprendeu? Em contrapartida, sou das emoções educadas. Guardo algumas dores enquanto ofereço alegrias. 

O dia já acordou. É cedo, mas a luz já explica que a noite partiu. A noite do dia que doeu estava despida de luar. Meu marido e eu nos conhecemos em uma noite de lua iluminadora de futuros. 

Foi por acaso. Ou foi por uma flechada que une os que amam antes mesmo de se conhecerem. Eu saía da faculdade atravessada por um cansaço inesquecível. Eu cuidava de minha mãe, dos estudos e da papelaria do meu pai. Meu pai não prosseguiu depois da partida de minha mãe. Poucos meses separaram o reencontro no mistério. Gosto de imaginar que ela estendeu as mãos para ele e prosseguiram. 

Eu tropecei na saída da faculdade e Leo me impediu a queda. Nos olhamos e nos apresentamos. Sempre me perguntei se eu tivesse saído alguns minutos depois ou se ele tivesse se adiantando se nos conheceríamos de outra maneira. Casados há tanto tempo. Quando acordo e escuto o seu ressonar ou quando encosto minha vida em seu coração e ouço o bater de um amor que ajuda minha vida a ter significados, agradeço. 

Nasci solitária como nascem os que nascem. Senti e sinto a solidão mesmo tão bem acompanhada. Há dores que nascem de pensamentos que são nossos. Os que nos amam podem acalmar, podem regar de beleza a flor bonita que somos. A flor solitária do jardim conversa comigo enquanto aprende o sol. Eu aprendo o sol todos os dias. Aprendo a acolher a luz e aprendo a dar calor. 

O dia amanheceu frio, mas há de esquentar. Há algo em mim que diz que ainda não é tempo de encontrar os meus pais nem de outras flores que florescem no jardim que apenas imagino. O que vejo é uma vida a ser vivida. 

Decido caminhar para a cozinha e resolver o café. Enquanto caminho, sinto os braços do meu marido abraçando minha caminhada.

"Por que não me chamou, amor?"

Eu abro um sorriso lindo de gratidão. Ele me beija com tanta ternura que fecho os olhos. Fecho os olhos e vejo a flor que ficou em mim enquanto eu esperava o nascer do sol.  Haverá de ser um dia bom. Um dia escrevendo em mim que tudo vai dar certo.

Publicado no jornal O Dia, em 06 05 2024



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