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Acadêmico: Rubens Barbosa A falta de uma visão estratégica tornou-se trágica para o ambiente da Defesa Nacional e para um projeto nacional, o que é exemplificado agora com o anúncio da venda da Avibras
Ambição externa sem pensamento estratégico No Brasil, os problemas sociais, pobreza, concentração de renda, falta de recursos para o Estado, gastos desnecessários e duplicados, déficit público, déficit educacional e científico e tecnológico, sem falar nos privilégios, nos problemas da segurança pública, na violência, na corrupção e na segurança jurídica para garantir investimentos, para citar os mais dramáticos, deixam pouco espaço para um pensamento de médio e longo prazos, verdadeiro esforço estratégico para um país do porte do Brasil, potência média, a nona economia do mundo, com interesses importantes a preservar na área do agronegócio e com grandes deficiências e vulnerabilidades nas áreas industrial e, sobretudo, de Defesa, pelo baixo aproveitamento dos avanços da tecnologia. O mundo mudou e hoje as preocupações com a Defesa são prioritárias. No meio de duas guerras, na Europa e no Oriente Médio, 58 conflitos localizados em 35 países e, na nossa vizinhança, a ameaça bélica da Venezuela contra a Guiana, o Brasil não se pode dar ao luxo de ignorar esse pensamento estratégico. A falta de uma visão estratégica tornou-se trágica para o ambiente da Defesa Nacional e para um projeto nacional, o que é exemplificado agora com o anúncio da venda da Avibras, empresa líder de tecnologia de ponta no lançamento de foguetes. Ao assumir o poder, o governo Lula tentou, sem sucesso, encontrar uma fórmula para preservar a empresa nacional, que tem problemas de gestão que se arrastam há mais de ano e dívidas acumuladas. Caso se concretize a venda da Avibras, será a terceira empresa de grande porte e significado na Defesa que o Brasil perde, depois da Engesa (carro de combate) e da Mectron Siatt (míssil naval). Em comunicado, a Avibras e a empresa australiana DefendTex informaram que vêm mantendo tratativas para viabilizar a recuperação econômico-financeira da empresa para manter suas unidades fabris no Brasil, retomar as operações e manter o fornecimento previsto nos contratos. Apesar do grave dano à soberania com a desnacionalização da empresa, a operação conta com a boa vontade do governo e das autoridades do Ministério da Defesa (MD), inclusive dos comandantes das três Forças. O Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) apresentaram proposta ao MD que poderia ser uma saída para a Avibras. Sugeriu-se a criação da Empresa Crítica de Defesa (ECD), visto que uma análise de risco observando o impacto com a descontinuidade das operações ou com a perda do controle nacional mostra que certas empresas são críticas para o presente e o futuro do País. A proposta é simples e direta: criação, por lei, da classificação adicional de ECD, que se somaria às Empresas Estratégicas de Defesa (EEDs) e Empresas de Defesa (EDs). Para se tornar ECD, a empresa deveria ser uma EED. Uma análise de risco deveria apontar que a sua descontinuidade teria impacto significativo imediato e de longo prazo em áreas estratégicas e de interesse da Segurança Nacional (e não somente da Defesa Nacional). O Estado deveria se organizar para realizar aquisições mínimas periódicas das ECDs de forma a manter a capacidade de P&D e produtiva ao menos com carga mínima, evitando, assim, a sua desmobilização. Como contrapartida, as ECDs deveriam estar sujeitas a intervenção técnico-econômica direta da União em caso de iminência de perda de controle nacional ou de severo desarranjo econômico. Os mecanismos precisariam ser discutidos, mas poderiam incluir a criação de golden share, inclusive sendo esta uma forma de aporte financeiro. A legislação vigente (Lei n.º 12.598) determina que em EEDs o controle fique restrito a 40 dos votos, além de desenvolver tecnologia nacional. Aparentemente, não foi isso o que ocorreu. A legislação deveria ser aplicada, mas pode deixar de sê-lo por não existir um responsável por desenvolver e sustentar uma base industrial de Defesa estratégica para o País. Algumas sugestões apareceram para tentar contornar a questão das dívidas crescentes da companhia, que parou de fornecer equipamento ao exterior e enfrenta ameaça de paralisação total. A última instância seria estatizar a empresa em troca da dívida tributária sem colocação de recursos públicos ou controle administrativo para empresas, mas não teve apoio de Lula. Essa transação ocorre quando o MD discute a atualização da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, embora a questão da Avibras certamente não tenha sido colocada no contexto mais amplo da capacidade de Defesa do País. Os interesses divergentes no contexto do establishment militar brasileiro não permitem ainda o entendimento de que a capacidade militar tem dois componentes essenciais. Capacidade operacional de combate, provida pelas Forças Armadas, e capacidade logística de defesa, provida pelas sinergias entre um órgão do Estado que gere a demanda por produtos e tecnologia de defesa e uma BID estratégica, sem a qual as Forças Armadas não podem operar e mesmo existir. As Forças Armadas exigem uma reforma estrutural para se modernizar e apoiar a indústria nacional de Defesa. O assunto transcende as competências do Poder Executivo e deveria merecer a atenção do Congresso Nacional, já que envolve questões de Defesa e Segurança Nacionais. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 09 04 2024 voltar |
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