Compartilhe
Tamanho da fonte


LÍRICAS FRUSTRAÇÕES
Acadêmico: José Renato Nalini
Enquanto a civilização cultua os seus artistas, o Brasil frustra aqueles que se devotam a perseguir ideais que não tenham em vista a imediata obtenção de recursos materiais.

Líricas frustrações

A vida de Rodolpho Bernardelli se incorporou ao patrimônio moral e espiritual do Brasil. Escultor, era irmão de Henrique, pintor. Filhos de outro artista, Oscar Bernardelli.

Rodrigo Octávio, em “Minhas Memórias dos Outros”, lamenta que a bela casa da família, em Copacabana, não tenha sido preservada. Era uma construção em puro estilo Renascença toscana, obra do arquiteto Rebecchi. Nela, existiam esculturas em profusão. Prontas, em gesso, maquetes. Muitas encomendas não foram retiradas, ...nem pagas. Mas o artista nunca se interessou por dinheiro. Era a arte pela arte.

Numa terra vazia de museus e centros de arte, a casa seria um ponto de convergência de todo o sentimento artístico nacional. Os Bernardelli eram também músicos: Rodolpho tocava violoncelo e Henrique violino. A essa época, segunda metade do século XIX, o Rio contava com teatros que possuíam sua pequena orquestra. Ela tocava antes de levantar o pano em cada um dos atos. Os irmãos Bernardelli eram figurantes numa dessas orquestras. O pai, Oscar, era também violinista, mas de maior fôlego. Tocava em orquestra de importância e na da Capela Imperial.

Desapareceram as orquestras, como desapareceriam, em certa fase, os teatros. Em meados do século XVIII, era uma realidade o teatro nacional, com João Caetano como figura principal e gloriosa. Além do público, que jamais a ele faltou, o Governo Imperial o amparou. A Lei 696, de 20.8.1853, autorizou o Governo a conceder-lhe, como empresário do Teatro São Pedro de Alcântara, uma prestação mensal de 4 contos de reis, despesa a ser ressarcida por meio de loterias.

Surgiu também, por esse tempo, a Ópera Nacional, sob a direção do Maestro José Amat. Este era um espanhol que, diante da revolução Carlista e que, com a derrota de sua causa, se refugiara no Brasil em 1848. Excelente músico e melhor tenor, desprovido de recursos, ensinava canto. Criou atmosfera de simpatia e compunha música para poesias de Gonçalves Dias, Vieira da Silva, Porto Alegre, Antonio Carlos. Publicou dois álbuns: “Melodies brèsiliennes” e “Les nuits brèsiliennes”, verdadeira raridade bibliográfica.

Daí a ideia de se criar um Teatro de Ópera Nacional. O Imperador e seu Ministro, o Marquês de Abrantes, editaram o decreto criando a Imperial Academia Nacional de Música e Ópera Nacional, constituída em 25 de maro de 1857, como sociedade sui generis, com acionistas e sócios. Assinaram seus estatutos o Marquês de Abrantes, o Visconde de Uruguai, o Barão do Pilar, Francisco Manuel da Silva, diretor do Conservatório de Música e autor do Hino Nacional, Joaquim Gianini, Manoel de Araújo Porto Alegre, depois Barão de Santo Angelo, Dyoisio Veja e Izidoro Bevilaqua, fabricante de pianos e editor musical.

O Professor José Amat, iniciador do movimento, foi nomeado gerente e administrador econômico da Academia. Para assegurar a existência da nova instituição, o Governo Imperial concedeu, por Leis 911, de 19.8.1857 e 979, de 15.9.1858, loterias que seriam extraídas em seu benefício e também destinadas à construção de um teatro especial.

O Decreto 2294, de 27.10.1858, aprovou os Estatutos da Imperial Academia de Música e da Ópera Nacional, cujos fins, definidos no artigo 1º, eram: 1. Preparar e aperfeiçoar artistas nacionais melodramáticos; 2. Dar concertos e representações de canto em língua nacional, levando à cena óperas líricas nacionais ou estrangeiras, estas, desde que vertidas para português. O decreto – art. 29 – reconhecia aos autores de óperas líricas nacionais o direito a 10 do produto líquido de cada representação, pertencendo 4 ao escritor do libreto e 6 ao compositor.

O Decreto 2593, de 12.5.1860, extinguiu a Imperial Academia de Música e de Ópera Nacional e revogou seu regulamento. Não se sabe exatamente o motivo. Mas a brevidade na duração de iniciativas para a cultura é uma tradição antiga nesta Terra de Santa Cruz.

A História da fundação e breve existência da Academia de Ópera Nacional está no capítulo XII da completa obra de Vincenzo Cernicchiaro, “Storia Della Musica nel Brasile, dai tempi colonial sino ai nostri giorni” (1549-1925), publicada em Milão, por Fratelli Riccioni, em 1926.

Enquanto a civilização cultua os seus artistas, o Brasil frustra aqueles que se devotam a perseguir ideais que não tenham em vista a imediata obtenção de recursos materiais. E gente como os Bernardelli jazem no buraco preto da amnésia tupiniquim.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 05 04 2024



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.