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UM PARLAMENTAR PADRÃO
Acadêmico: José Renato Nalini
Um vulto hoje esquecido, a não ser em virtude de emprestar seu nome a uma importante via pública, é o de Ferreira Vianna.

Um parlamentar padrão

Um vulto hoje esquecido, a não ser em virtude de emprestar seu nome a uma importante via pública, é o de Ferreira Vianna. Antônio Ferreira Vianna é gaúcho de Pelotas, onde nasceu em 11 de maio de 1832. Veio para o Rio onde o pai, negociante português, era estabelecido. Cursou o Colégio Pedro II, veio para São Paulo e depois de cursar as Arcadas, defendeu teses e recebeu o grau de doutor em 1856.

Aqui, foi presença preponderante no meio acadêmico. Integrou o Ateneu Paulistano, que congregava a elite da cultura acadêmica. Foi seu orador e colaborador assíduo do órgão chamado “Ensaios Literários”.

Voltou ao Rio, foi nomeado Promotor Público pelo Ministro da Justiça, Nabuco de Araújo. Destacou-se por sua inteligência e ganhou fama quando o Governo aposentou por decreto alguns Ministros do Supremo e ele, valendo-se da Imprensa, vergastou as autoridades responsáveis pela violência.

Foi exonerado pelo governo, mas ganhou o apreço da cidadania. Os advogados do Rio lhe ofereceram uma coroa de ouro, diante da coragem patriótica de se postar ao lado dos injustiçados e não do poder. Quem falou em nome dos juristas foi Augusto Teixeira de Freitas, o que permite avaliar o quilate da homenagem.

Ferreira Vianna passou então a advogar. Em suas reminiscências, confessava: “Se eu tivesse de recomeçar a vida, não sei que outra profissão devesse escolher senão a de advogado. Ela pode ser exercida com toda a dignidade e independência. Jamais fiz um contrato ou assumi uma obrigação. Dou aos meus clientes toda a liberdade de agir: podem deixar-me quando quiserem; mas reservo também para mim a mesma liberdade. Jamais estipulei o preço dos meus serviços. Deixei sempre isso ao arbítrio do constituinte. Certo, muitos me não pagaram; outros pagaram mal. Mas alguns me pagaram tanto que compensou o que outros deixaram de dar”.

Exercia, simultaneamente, o jornalismo, pelas colunas do “Correio Mercantil” e do “Diário do Rio”, além de escrever para a “Nação”, jornal que fundou junto com Andrade Figueira.

O prestígio haurido na lida forense e na militância jornalística lhe garantiu eleger-se deputado pelo Partido Conservador. Foi imediato o sucesso parlamentar. Encontrou no Parlamento uma plêiade de oradores que se notabilizavam desde 1840, com a Revolução da Maioridade.

Seus discursos não foram publicados. Mas, como diz Rodrigo Octávio, “raros são os discursos que ganham com ser lidos. Discursos para serem lidos são principalmente os dos grandes escritores, ou dos grandes pensadores, mais obra de gabinete, de ponderada meditação, do que produto espontâneo da vivacidade do espírito, da facilidade da palavra, do entusiasmo, da eloquência. Por certo, aqueles pensadores também improvisam, não porque tenham, como certos tribunos, a mesma dose de espontaneidade na dicção, mas porque, como disse, em felicíssimo conceito, Jeremy Bentham, “a improvisação não é mais do que a erudição digerida”.

Para saber o que foi Ferreira Vianna como orador parlamentar, é preciso buscar o testemunho dos seus contemporâneos. E estes dizem que ele foi o espírito oposicionista sereno, equilibrado e, portanto, capaz de despertar na consciência do adversário político aquela fímbria de dúvida suficiente para repensar a posição.

Um cronista parlamentar, Eunapio Deiró, observa: “Sem dúvida, é mais fácil de notar as qualidades que lhe faltavam do que apontar as que possuía; não tinha, seguramente, a dialética imperiosa e opressora de Zacarias de Góes. Não possuía a palavra vasta, calorosa, de Jequitinhonha. Não manejava a frase curta, rápida e irônica de Cotegipe. Não dispunha da pujança do raciocínio em que Angelo Ferraz era forte. Não ostentava o estilo solene e magistral de Inhomirim nem o aticismo de Octaviano, nem as luminosas exposições dos senadores Fernandes da Cunha e José Bonifácio. Como eles Ferreira Vianna era um fecundo improvisador, porém meditativo. Umas vezes se suporia estar absorvido em solilóquios de um solitário. Outras vezes, sua eloquência assemelhava-se ao acento pávido da voz de um profeta. Em certos lances, a indignação vibrava-lhe na voz, notas fortes e estridentes que certeiras pungiam os adversários. Reaparecia o jornalista, o lutador implacável. Era um orador singular”.

Onde se encontram seguidores de Ferreira Vianna, cuja oratória foi a catapulta que o conduziu ao ápice do respeito, seja entre correligionários, seja entre adversários, mas provido, além disso, de uma espécie de fervor e de genuína admiração? A quem podemos devotar hoje esse culto?

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 23 03 2024



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