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Acadêmico: José Renato Nalini A implementação de pequeníssimas reformas conferiria o ritmo que a Justiça não tem. Pese embora a utilização das tecnologias da comunicação e da informação, que não reduziram o uso do suporte papel.
É possível uma Justiça melhor? O sistema de Justiça brasileiro é um complexo de entes, organismos e estruturas que englobam desde a administração penitenciária, a polícia, civil e militar, a defensoria pública, o ministério público, o Judiciário, a advocacia e o setor das delegações extrajudiciais. Sempre houve críticas destinadas a esse arcabouço, mas elas recrudescem quando se constata que o seu custo é superior a 1,6 do PIB e a insatisfação dos destinatários parece proporcional a tal dispêndio. Nunca se realizou a profunda reforma estrutural da Justiça brasileira, que é aspiração insatisfeita. No momento em que são criadas estruturas garantidoras de remuneração razoável e estabilidade inafastável, consolida-se a cultura da inércia. Por que se mexer em “time que está ganhando”? Nem se ouse pensar, por exemplo, na concretização do projeto de um Judiciário uno e nacional. Sem a repartição inexplicável entre Justiça Estadual e Justiça Federal, já que existe outra entidade da Federação que, a rigor, também poderia reclamar uma Justiça própria: o Município. O Poder Judiciário, na verdade, se reparte entre cinco ramos – Estadual, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral – e é distribuído em quase cem tribunais. A estrutura paralela do Ministério Público cresce em proporção aparentemente exagerada. Compete com a Defensoria Pública, que se apropriou de atribuições anteriormente exercidas pelo Parquet. Porém, coisas pequenas poderiam responder de imediato com a procurada eficiência, valor de intensidade crescente no Brasil e de difícil consecução, considerados os meandros da burocracia judiciária. Quatro instâncias, um sistema recursal caótico, a imprevisibilidade das decisões, que dependem de inúmeros fatores, muito superiores à dicção da lei. A implementação de pequeníssimas reformas conferiria o ritmo que a Justiça não tem. Pese embora a utilização das tecnologias da comunicação e da informação, que não reduziram o uso do suporte papel. Alvissareira a notícia de que a linguagem jurídica deve ser simples. Se Justiça é bem de primeira necessidade, qualquer pessoa deve entender o que se decidiu a seu favor ou contra seus interesses. Outra boa iniciativa seria a redução das peças processuais. Quando no exercício da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, entre 2012 e 2013, quis instituir o padrão 5 laudas para qualquer petição inicial, alegações finais, razões e contrarrazões, sentença e acórdão. Fui vencido. Instituiu-se o máximo de dez laudas. Mas a cultura anacrônica persiste em elaborar longos textos, com repetição daquilo que está na doutrina, na legislação e na jurisprudência. Como é difícil extrair da mentalidade tacanha a noção de que “mais é melhor”! São duas questões aparentemente menores. Mas implicariam em upgrade na performance do sistema. Claro que o ideal seria a reformulação dos concursos de ingresso às carreiras jurídicas. Hoje ainda ancorados na capacidade mnemônica. Será bom juiz, promotor, defensor, procurador ou delegatário, aquele que sabe de cor o conjunto enciclopédico da cultura jurídica? Negligenciam-se as competências socioemocionais e não se avalia a vocação, o compromisso com a ética, a sensibilidade, a empatia, a compaixão. Profissionais que trabalham com o direito devem ser amigos das pessoas. Devem se compadecer das misérias humanas. Devem se colocar na condição das partes. Por isso é que se tem insistido tanto no consequencialismo: avaliar com serena racionalidade qual será o impacto de qualquer decisão no mundo real. Um concurso que levasse em consideração competências hoje ignoradas, proveria as carreiras jurídicas estatais de pessoas mais sensíveis. E uma Justiça rígida, inflexível, automática, afinada apenas com a técnica, é capaz de causar mais injustiça do que solucionar controvérsias que angustiam os aflitos em busca da porta derradeira, o Judiciário. A exigência de um exame prévio, para unificar os critérios de seleção em todo o Brasil é um passo tímido. Prevalece a avaliação de conhecimento formal, com desprezo às qualidades essenciais. Por que não avançar para uma preparação, assim como ocorre com a diplomacia, com as Forças Armadas e com os Seminários da Igreja Católica? Afinal, já existem boas Escolas da Magistratura, que poderiam se encarregar do preparo desses profissionais dos quais vai depender a liberdade, o patrimônio e a honra dos cidadãos que os remuneram. Enfim, são anseios utópicos, porque prevalece a resignação com o modelo e qualquer mudança parece traumática para a mentalidade congelada e presa à formatação medieval. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 21 03 2024 voltar |
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