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Acadêmico: José Renato Nalini
Floriano Peixoto liderou um golpe contra Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente republicano.
O florianismo latente O fanatismo não é novidade no Brasil. Quem se propuser a garimpar a história pátria encontrará exemplos de apego excessivo a determinados valores, capazes de fazer desaparecer os demais. O nativismo foi uma dessas páginas, que adquiriram tonalidades distintas ao sabor das tendências. Uma delas desabrochou com o florianismo. Floriano Peixoto liderou um golpe contra Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente republicano. Tão aficcionado ao poder, que não queria deixar a presidência. Estimulou tentativa de golpe, que os áulicos apoiaram e, frustrada a aventura, pretendeu ser Vice do Presidente eleito, o ituano Prudente de Morais. Toda a sorte de dificuldades foi manhosamente tecida para dificultar a Prudente o desempenho de suas funções. Recebido friamente no Rio de Janeiro, sua jornada foi pontilhada de armadilhas. Chegou-se a atentar contra sua vida, em episódio no qual a vítima fatal foi o Marechal Machado Bitencourt. Todos os fanáticos têm o dom de multiplicar o fanatismo, pois contaminam as mentes frágeis, desejosas de se entregar a uma causa considerada superior, que os liberte de programar a própria vida. O abandono de um projeto pessoal, a pressupor reflexão, meditação e opção, por um ideal já consolidado, é suficiente para os fracos. Aderem apaixonadamente e ocultam, na volúpia entusiástica, a insipidez e mediocridade da própria jornada. O séquito de seguidores cegos é veemente e corajoso. Expõem-se, assumem posturas enérgicas, sustentam o credo do líder. Sempre existiu essa manada. Em todos os tempos. O florianismo forneceu muitos exemplares. Um deles foi Raul Pompeia, o escritor que escreveu “O ateneu”, crônica de uma educação castradora, mas real. Sua visão de Brasil era extremada e intransigente. Considerava Floriano o protótipo do herói de que a nação necessitava. Pode-se hoje dizer que o desaparecimento de seu líder precipitou sua opção predeterminada ao suicídio. Sua exaltação crescia, a despeito da morte do condutor intelectual de seu rumo. Por ocasião do recolhimento ao sarcófago os despojos de Floriano Peixoto, em 29 de agosto de 1895, Raul Pompeia discursou: “A hora é de esforço e de dissabores. A paz, a paz é impossível antes que se desmonte o eixo da dissolução, antes que seja dominada a capital, antes que a conspiração central se desiluda com o seu comércio cosmopolita, disposta a nivelar os mais sérios interesses nacionais com o plano das imediatas vantagens mercantis; enquanto se não converterem os negadores da Pátria e os portugueses do ocidente, que se arvoraram em mentores do rumo político; enquanto se não transformarem as propagandas jornalísticas, em cujo anonimato hostil se vai descobrir a perícia do enredo lusitano; enquanto não forem vencidas tais adversidades, como as conteve a energia assombrosa do Marechal Floriano”. Não se desconhecia, à época, o fundamentalismo nativista de Raul Pompeia. Sobre isso chegou a escrever Araripe Júnior: “Raul Pompeia entende que a nossa evolução política tem sido muito morosa e que as vitórias do nacionalismo em parte obscuras e um tanto abstratas, não nos premuniram ainda da ascendência estrangeira. O espírito colonial, a cada derrota, muda de acampamento, mascarando as suas operações e, no fim, é sempre ele que recolhe os despojos e pelas finanças mantém em estado de sítio as consciências. Raul Pompeia classifica esse fato como uma enfermidade social e dá-lhe, por último, um nome que a confunde, na última face, com o próprio sebastianismo”. Nativismo, florianismo, sebastianismo, os “ismos” se repetem e se transmutam, mas estão presentes em todas as épocas, às quais se adaptam. Ainda hoje, no mundo cada vez menor e mais frágil, existem os que propõem a edificação de “muros morais”, para isolar cada nação, como se houvera a mínima possibilidade de salvação isolada de uma partícula do planeta. Os riscos que a humanidade corre não se submetem às tolas convenções humanas de fronteiras, etnias, credos e opções políticas e econômicas. Estamos todos, inelutavelmente, na mesma nau. Ora sem comando e rumo ao caos. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 09 03 2024 voltar |
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