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Acadêmico: José Renato Nalini É tão intensa a disrupção causada pelas mudanças climáticas, que tudo precisou ser reavaliado e repensado.
O avanço do mar Será que ainda existe alguém que não acredita nas mudanças climáticas? O Brasil sofreu em 2023 inúmeros fenômenos que evidenciam a sua existência e intensidade. E não pode passar desapercebido de todos, o avanço do mar em toda a nossa orla de mais de oito mil quilômetros. Tem sido noticiado o esforço de cidades litorâneas, principalmente no sul do país, em alargar a faixa das praias que as ondas vão retomando, não tão lentamente quanto se imaginava. São paliativos, dispendiosos e causarão novos e nocivos impactos. Erosão, degraus, sacrifício da biodiversidade, extinção de espécies ameaçadas. A questão já foi enfrentada por outros países. Quem não sabe que a Holanda está abaixo do nível do mar? Lembro-me da primeira vez que fui à Holanda, o receio de aterrissar em Schipol, o aeroporto que exigia do piloto uma descida “em parafuso”. Exatamente porque o mar estaria acima de seu nível. Os holandeses fizeram seus diques e acreditaram que eles fossem eternos. Como durariam para sempre a barreira mecânica do Tâmisa aquelas construídas pelos japoneses e pelos americanos. É tão intensa a disrupção causada pelas mudanças climáticas, que tudo precisou ser reavaliado e repensado. E isso porque os cientistas comprovaram que o aumento do nível global do mar subiu o dobro do ritmo registrado entre 1993 e 2002. Por isso é que as inundações marítimas se tornaram ameaça mais do que potencial: algo concreto e já enfrentado por inúmeros países. A Holanda está investindo fortunas para conter a erosão na barreira de trinta e dois quilômetros erguida entre 1927 e 1932 para impedir que as águas continuassem a invadir o país. Mais da metade do território holandês situa-se abaixo do nível do mar. É uma obra gigantesca. Tem noventa metros de largura, é fincada no fundo do mar e ultrapassa em quase oito metros a linha do mar. Para reforçá-lo, serão necessários setenta e cinco mil blocos geodesenhados, cada qual dotado de um chip que dará informações em tempo real sobre suas condições de resistência à água. Eles serão instalados lateralmente, como real reforço, engrossando ainda mais a barreira. O avanço do mar e a subida de seu nível ficará para uma próxima – e também urgente – oportunidade. Serão construídas duas estações de bombeamento, já consideradas as maiores da Europa. Tudo isso custará algo como seiscentos e vinte milhões de dólares. Os Países Baixos têm sido vítimas de devastação causada por enchentes e inundações. Uma onda gigantesca, em 1953, invadiu o sul do país e matou quase duas mil pessoas, na província de Zeeland. Foi por esse motivo que se construiu o maior dique com comportas do mundo, com quinze quilômetros de extensão. Essa barragem tem sessenta e seis pilares com mais de cinquenta metros de altura e comportas de aço para regular a entrada e saída de água. Foi inaugurada em 1986, a um custo de quase três bilhões de euros. Os ingleses se preveniram quanto às inundações, edificando uma grande barreira mecânica no Rio Tâmisa. É um dique de quinhentos e vinte e cinco metros de largura e protege de inundações uma área de cento e vinte e nove quilômetros quadrados no centro de Londres. Pensava-se que o aumento das marés só viria em 2050. Mas já chegou. Então a agência ambiental do Reino Unido teve de antecipar os estudos para intensificar a defesa contra essa ameaça, a cada momento mais concreta. Mas isso acontece também no Brasil, onde muitas cidades litorâneas têm realizado obras de contenção para retardar o avanço do mar sobre a indiscriminada ocupação da orla. Muros para impedir que as ressacas cheguem às ruas e prédios, alargamento das praias com o acréscimo de areia, tudo isso mostra a preocupação com esse evidente sinal de que mudança climática não é catastrofismo, não é moda, não é “achismo”. É algo que chegou e que nos perturbará cada vez mais. Mongaguá já experimentou essas muretas, como observa o jornalista José Maria Tomazela, em recente reportagem no Estadão. Essas paredes não seguram o mar. São band aids em fraturas expostas. A solução vai muito além: replantar um trilhão de árvores no mundo. Um bilhão delas no Brasil, com setenta milhões de hectares degradados. É a tentativa de mitigar os efeitos de uma revolta da Terra, provocada por nossa ignorância, cumulada com manifesta insensatez. Existe receita definitiva para deter o avanço do mar? Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 21 02 2024 voltar |
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