Compartilhe
Tamanho da fonte


ASSASSINO DA DEMOCRACIA
Acadêmico: José Renato Nalini
A curiosidade humana é seduzida pelo bizarro, pelo insólito, pelo folclórico. É do senso comum reconhecer que um elogio não atrai a atenção, nem viraliza. Já uma crítica, uma suspeita, uma aleivosia, esta rende e prospera. Ganha o mundo.

Assassino da democracia

A espécie humana está inteiramente manipulada pelos algoritmos. A Inteligência Artificial consegue descobrir particularidades dos usuários das redes sociais e até daqueles que se recusam a acessá-las, mas que não podem prescindir do uso dos celulares.

Por isso é que, ao mínimo interesse por um determinado produto, ou consulta de destino para viagem, isso passa a fazer parte de um sofisticado dossiê a respeito de cada pessoa. Daí as reiteradas mensagens oriundas de um dado que o próprio usuário forneceu.

Se isso acontece em termos de interesses particulares, muito mais grave é aquilo que ocorre na política, a ciência e arte de coordenar a gestão do interesse comum. Lamentavelmente convertida – no Brasil e em outras partes do mundo – numa profissão exercida sem constrangimento e, em inúmeros casos, sem pudor. Pois, para atender a interesses exclusivamente pessoais, as redes sociais foram exaustivamente utilizadas para a disseminação de inverdades, as chamadas fake News. A curiosidade humana é seduzida pelo bizarro, pelo insólito, pelo folclórico. É do senso comum reconhecer que um elogio não atrai a atenção, nem viraliza. Já uma crítica, uma suspeita, uma aleivosia, esta rende e prospera. Ganha o mundo.
Todos sabem que a avalanche de sarcasmos, ironias, deboches, e até de práticas delitivas contra a honra, invadiram o mundo web nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e do Brasil, em 2016 e em 2018.

Isso compromete a saúde da democracia e coloca em risco sua própria subsistência. Não é uma opinião qualquer, de um jejuno em política, mas é o pensamento de Michael J. Sandel, um filósofo muito ouvido, autor de um livro chamado “O Descontentamento da Democracia” e do bestseller “Justiça”. Por sinal, desenvolve um curso denominado “Justiça” na Universidade de Harvard, muito concorrido.

Resultado disso, observa Sandel, é a polarização. Famílias se desintegraram, amizades íntimas foram afetadas. O mundo se dividiu em alas fanáticas. Oposições frontais, aguerridas e agressivas. Ira e violência acalentada nos textos pesados e chulos. Clima de beligerância e fuga absoluta do convívio harmônico.

Passada a eleição, o ideal seria a superveniência da serenidade, o desaparecimento da animosidade. Não é o que acontece. Nem nos Estados Unidos, nem no Brasil.

Nesse ambiente, o populismo ressurgiu. Valendo-se da maioria iletrada, pois educação de qualidade nunca existiu no Brasil e nem nos Estados Unidos. Vive-se, afirma Michael J. Sandel, uma ditadura do algoritmo. Ela contribui para intensificar a polarização e corrói a democracia.

Enfatize-se que em 2016 nos Estados Unidos e em 2018 no Brasil, havia ainda pouca informação a respeito do poder corrosivo da internet. Até candidatos acreditavam no poder do tempo televisivo de propaganda gratuita. Confiavam na aliança partidária que garantisse maior espaço na divulgação de seu programa. Sequer desconfiavam de que se urdia um audacioso plano de domínio hegemônico da opinião pública, na conquista das mentalidades abertas à divulgação de mentiras bem elaboradas.

Já em nossos dias, impossível deixar de saber o alcance dessas ferramentas e o perigo que elas produzem, na edificação de uma sociedade tutelada e manietada em sua consciência política.

Isso impõe a formação de uma cruzada ética, a ser desenvolvida e implementada pelos cérebros que se preocupam com o porvir e pretendem fazer valer a promessa do constituinte de edificar uma sociedade fraterna, justa e solidária. Ela não chegará se o controle da opinião pública continuar a ser exercida pelas redes sociais. Estas deveriam ser utilizadas para suprir a ausência de formação cívica, de desenvolvimento das habilidades socioemocionais, negligenciadas pela escola convencional. Por isso é que precisa existir uma sociedade civil alertada, apta a distinguir o que é verdade e o que é mentira. Nem se deixe isso a cargo exclusivo do governo, que até pode ter-se valido da penumbra gerada pela mágica algorítmica, e pretenderá navegar nas mesmas águas.

Haverá quem assuma essa complexa e desafiadora missão de um controle cidadão sobre as redes sociais? Alguém pode assegurar que ela venha a ser bem-sucedida?

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 20 02 2024



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.