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Acadêmico: José Renato Nalini Muitos de nós pensam que Dom João VI era uma figura caricata. Visão destorcida.
João não era o bobão Muitos de nós pensam que Dom João VI era uma figura caricata. Desenham-no obeso, voraz devorador de frangos, submisso à tirania de Carlota Joaquina. Às vezes querem vê-lo covarde. Poltrão, porque fugiu de Lisboa à aproximação dos generais de Bonaparte. Visão destorcida. Pois não se justificaria ter Napoleão afirmado, quando desterrado em Santa Helena: - “Foi o único que me enganou!”. Dom João VI merece ter resgatada a sua figura e a sua importância para o Brasil. Não seríamos o que somos hoje, com todas as nossas deficiências, não fora o seu descortino. Veio para o Brasil em pleno e correto uso de seus direitos majestáticos. Impediu, com isso, que a coroa lusitana fosse parar à cabeça de algum dos ambiciosos generais de Napoleão. Por isso ele mereceu do maior guerreiro do século XIX, o reconhecimento de seu formidável tino político: foi o único a conseguir enganar o conquistador. Dom João VI defendeu, sem concessões, sem arbitramentos, todos os limites territoriais, todas as fronteiras da Pátria continental que nos coube. Erigiu a defesa, conforme era possível àquele tempo, das mil e duzentas léguas do nosso litoral. Abriu os portos brasileiros ao comércio estrangeiro. Fundou a Escola Militar, inaugurando a tradição de educação aprimorada que as Três Forças ainda hoje preservam. Criou a Escola de Cirurgia, a Escola de Belas Artes e o Museu Nacional. Criou o Desembargo do Paço, o Conselho da Fazenda, a Junta do Comércio, o Arsenal de Guerra e a Fábrica de Pólvora. Trouxera consigo, o maior tesouro que se poderia trazer para uma terra inculta: a sua biblioteca particular. Assim que instalada, facultou-a à consulta de todos. Tornou-a Biblioteca Pública. Elevou o Brasil à categoria de Reino. Deu aos seus súditos o Passeio Público e o Jardim Botânico, ainda hoje um oásis dentro de uma destroçada ex-capital imperial e republicana, aquela que já foi um dia “Cidade Maravilhosa”, o Rio de Janeiro. Posteriormente, seu neto Pedro II ampliaria o verde já sob inclemente extermínio, replantando a floresta do Alto da Boa Vista e da Tijuca. Mas o avô, João VI, foi quem cuidou da canalização de água do Rio. Edificou quarteis. Instalou o Banco do Brasil. Protegeu as Letras. Era um excelente ouvinte de prédicas, sermões e homilias, feitas pelo clero erudito de que faziam parte Frei Sampaio, Frei São Carlos e o fabuloso Mont’Alverne. Meticuloso, progressista e não espalhafatoso – algo que se perdeu com a queda qualitativa do homem público – fez com que se praticasse em São Paulo a vacina obrigatória. Isso, num período em que ainda em Lisboa eram repetidos e aplaudidos em escárnio à ciência do nosso patrício Mello Franco, os versos – por sinal engraçados – de um palhaço que, infelizmente, usava uma batina. Foram apenas treze anos de governo em solo brasileiro. Mas eles suprem um século de atividade útil, de administração legal, invejável e criteriosa. Dom João VI nunca condenou sem processo regular e só não indutou, quando não teve tempo para fazê-lo. Se o chamam de déspota, era aquilo que a História consagrou como um déspota esclarecido. Nascera em 13 de maio de 1767 e não estava em seu destino vir a ser o Rei de Portugal e de suas Colônias. O primogênito era o príncipe Dom José. Entretanto, em 1788 seu irmão falece e ele passa a ostentar a condição de herdeiro do trono. Com a exclusiva finalidade de preservar a política de paz entre Espanha e Portugal, ele se casa em 1785 com a Infanta Carlota Joaquina, filha do Rei da Espanha, Dom Carlos IV. Matrimônio infeliz, mas suficiente para gerar nove filhos, dos quais oito chegaram à idade adulta. Inegável que Dom João VI e a Rainha Carlota Joaquina influenciaram bastante o caráter e personalidade do nosso primeiro Imperador, D. Pedro. A História reservou a Pedro I ser detentor de uma personalidade explosiva e confrontadora, cujos traços exerceram grande influência sobre a construção história, política e territorial brasileira. Não é difícil concluir que Pedro I era apaixonado pelo Brasil, onde se iniciou precocemente na sensualidade da vida adulta. Não se deixou impressionar pela mãe, que detestava nossa terra e que teria batido os sapatos quando voltou a Portugal em 1820, para não levar sequer a mínima porção de poeira do Brasil. Mas do pai herdou um incontido amor pela Pátria de adoção. Também o gosto pela beleza, em todas as suas dimensões. Inclusive pela música, pois foi um compositor de raras qualidades para quem também exercia o poder político. Os caricatos de seu pai, os que pretendem pintá-lo como caricato, são ridículos. São aqueles que, na linguagem de Martim Francisco, o terceiro, “lhe lavraram a sentença condenatória no tribunal da ignorância, mas com consulta prévia ao código da estupidez”. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 02 2024 voltar |
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