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Acadêmico: José Renato Nalini O Brasil é uma nação que pode aprender com o sofrimento de seus filhos e encetar um projeto de país novo, com instituições renovadas e com uma política depurada
O sofrimento fortalece Não concordo inteiramente com aquela afirmação de que o Brasil não toma jeito porque não enfrentou uma guerra. Na verdade, enfrentou sim. Somos povo cruento, desde a colonização. Houve Guerra do Paraguai, houve movimentos armados e fratricidas durante o Império. No século XX, a Intentona, a Revolução Paulista de 1924, a Revolução de 1930, a Revolução Constitucionalista de 1932. E não seria guerra a prática de torturas, o desaparecimento de quem hostilizava a autoridade imposta, o linchamento que continua e o fato de sermos a nação que mais registra homicídios há vários anos? Todavia, há quem continue a afirmar que precisaríamos de um conflito mundial para fazer o povo se sacrificar, com vistas a um futuro mais alvissareiro. Testemunhos de personalidades estrangeiras que passaram por isso podem fornecer material para reflexão. Encontro na vida e na correspondência de Charles De Gaulle algumas linhas instigantes. Ao escrever ao grande Jacques Maritain em 1942, De Gaulle dizia: “Como você, acredito que nossa gente esteja sofrendo uma espécie de colapso mental; achei que para sair do abismo a primeira coisa era impedir que as pessoas se resignassem à infâmia e à escravidão... Acho que teremos então de aproveitar o rassemblement nacional em torno do orgulho de nós mesmos e da Resistência para conduzir o país a um novo ideal interno”. Quem conhece História sabe que na II Guerra Mundial, a Alemanha invadiu a França e o governo de Vichy, liderado pelo Marechal Pétain, celebrou uma espécie de armistício, o que indignou patriotas como De Gaulle. Além da resistência na França, De Gaulle foi para a Inglaterra e liderou o movimento “França Livre”, que não reconhecia Vichy e arregimentava franceses para lutar contra o inimigo alemão, sob a nefasta liderança de Adolf Hitler. Já para o jornalista Philippe Barrès, filho do ídolo literário de De Gaulle Maurice Barrès, autor da primeira biografia propagandista de De Gaulle, em 1942, o general escreveu: “Basicamente, nosso país foi nocauteado por uma derrota brutal, como um homem que escorrega numa casca de banana. Mas ele compreende, bem lá no fundo, que esse “acidente” não corresponde ao seu verdadeiro valor. Vichy é apenas um episódio infeliz. Vichy não tem raízes, e a França logo o terá sepultado”. Na verdade, De Gaulle temia que fosse verdade aquilo que escrevia e em que não queria acreditar. Traduz, ainda, a oscilação que sempre se manifestou naquele grande homem. Grande em estatura, mas grande na coragem, no destemor, na ousadia, na audácia e no amor incontrolável que nutria por sua Pátria. A França o chamou para restaurar a credibilidade da Quinta República, imersa em sucessivas crises. Quando se lhe implorou a missão de mobilizar os franceses em torno de políticas claramente definidas, De Gaulle escreveu: “O que os franceses de boa-fé estão esperando é, em suma, que a França hoje seja uma coisa diferente daquilo que é, ou seja, um país gravemente doente há um longo tempo, sem instituições, sem administração, sem diplomacia, sem hierarquia ... e totalmente vazio de homens de governo. Isto é uma coisa que nem eu nem ninguém seremos capazes de remediar em dois meses. É um empreendimento que requer esforço longo e árduo, e pelo menos uma geração”. Essa regeneração moral é uma etapa imprescindível quando um país se encontra dividido por concepções antagônicas a respeito de seu futuro e tão radicais que não conseguem dialogar. Assim era a França em que os resistentes não conversavam com os adeptos de Vichy e algo análogo ocorre com o Brasil de nossos dias. Ira e intolerância de lado a lado. Com a agravante de que as redes sociais prodigalizam espasmos histéricos, deboche e ausência de qualquer limite ético. Talvez De Gaulle possa nos inspirar. Nessa época, ele afirmou: “A França não é um país que começa; é um país que continua”. Possamos nós também dizer: “O Brasil não é um país que começa; é um país de continua”. Uma nação que pode aprender com o sofrimento de seus filhos e encetar um projeto de país novo, com instituições renovadas e com uma política depurada dos que se servem dela apenas para fins exclusivamente pessoais e que, muita vez, tangenciam o que é nitidamente escuso. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 31 01 2024 voltar |
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