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Acadêmico: Gabriel Chalita O Porto Seguro de Manuel não era a cidade apenas, era o aprendizado de que ser educado é muito mais significativo do que ser formado.
O Porto Seguro de Manuel O dia queimava um calor inclemente na Bahia de Todos os Santos. Eu precisava de uma balsa para atravessar de Cabrália para Santo André, um lugar paradisíaco de mar e de gente que vive do mar. Subimos na balsa. Thiago era quem conduzia. Enquanto entrávamos, um homem de pouco mais de sessenta anos, com um chapéu e um pano que o protegia do sol, orientava o estacionar dos carros na balsa para que coubessem outros. Descemos do carro. A paisagem foi quem convidou. E foi, então, que ele se aproximou. Sem cerimônias ou apresentações, afirmou: "Uma coisa é estudo, outra coisa é educação". Eu ouvi atento. "Não concorda?” - respondi que sim, mas que queria ouvir mais. Ele prosseguiu: "Tem gente que se forma e não tem educação". Perguntei o seu nome e disse o meu. Ele começou a dizer sobre o seu trabalho na balsa. "Trabalho bom demais, ganho muito". E riu de si mesmo. E disse: "Ganho pouco, mas não tem atraso". E se deu por satisfeito. Perguntou de onde eu era. Eu disse. Disse ele do quanto Porto Seguro é conhecido. "Quem vem para cá, nem dorme na véspera, pensando na viagem". Eu acenei com a cabeça concordando. "E eu moro aqui". Disse com satisfação. Falou ele de vários nomes de várias cidades da Bahia. E, dentre elas, falou de Caetité. Eu, então, lembrei que Caetité é a terra onde nasceu um dos nossos maiores educadores, Anísio Teixeira. Ele ouviu atento e pediu que eu dissesse mais sobre ele. Eu disse. Ele sorriu elogios: "Desse saber eu queria, saber essas coisas boas que melhoram a gente". O tempo da travessia é de poucos minutos. Nos despedimos, quando entrei no carro e ouvi de Thiago a preocupação se Manuel havia causado algum desconforto. Sou dos que se confortam com a prosa, com o olhar do outro, com as verdades que a vida do outro vai ao outro ensinando. Sou dos que gostam dos encontros, mesmo dos fortuitos, dos efêmeros. Mesmo esses permanecem em ensinamentos. Thiago, então, disse de um outro conduzido por ele que tratou mal o Manuel. Que ele explicou que o Manuel trabalhava há 30 anos na balsa. O conduzido, um homem formado, não quis saber de conversa. Gostei de Manuel e de suas falas sinceras. E de sua alegria. Falou ser pai de dois filhos. Falou não ter tido estudo, apenas conseguia assinar o nome. Eu sugeri que aprendesse. Que ele iria gostar de conhecer o mundo das palavras. Ele acenou com a cabeça. Os mundos existem para serem desbravados. Dos mares aos significados dos textos. Dos silêncios aos encontros nascidos nas travessias. Amo o nordeste brasileiro. Conheço cada estado e o estado de alegria que vive em uma gente forte. No nordeste, digo palavras em palestras, escrevo livros, crio personagens, autorizo encontros, experimento o amar. O dia queimava um calor clemente de alívios. Uma brisa boa soprava naquela balsa, naquela conversa. Os dias que se seguiram ao dia em que encontrei Manuel foram dias bons. Encontrei uma fazedora de tapioca que outro dia conto a sua destreza em expulsar infelicidades. Sou grato a Deus por ser peregrino de terras tantas, por ser um servidor da palavra, escrita ou pronunciada, por ser um professador da crença de que é nos encontros que nos encontramos. O Porto Seguro de Manuel não era a cidade apenas, era o aprendizado de que ser educado é muito mais significativo do que ser formado. Um dia compreenderemos isso e ensinaremos o que deve ser ensinado, o dever de iniciar as aprendizagens aprendendo o saber e o prazer das convivências. Obrigado, Manuel. Publicado no jornal O Dia, em 21 01 2024 voltar |
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