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VINTE ANOS DEPOIS
Acadêmico: José Renato Nalini
Incrível constatar que, desde a chegada dos portugueses, em 1500, até a década de setenta do século passado, apenas 4 de toda a Amazônia havia sido devastada.

Vinte anos depois

Há muitas décadas preocupado com a destruição do ambiente, encontro em meus guardados uma revista “Veja” de 22.11.2000. A capa diz tudo: “Amazônia: Até quando? Alarmados com as agressões ambientais, os cientistas marcam até data para a morte da floresta”.

Vaticínio que se confirmou. Incrível constatar que, desde a chegada dos portugueses, em 1500, até a década de setenta do século passado, apenas 4 de toda a Amazônia havia sido devastada. O ritmo do extermínio alertava que, vinte anos depois, ou seja, em 2020, restariam somente 28 de mata virgem, na hipótese mais benigna, como dizia o jornalista Christian Schwartz. Na pessimista, não chegaria a cinco por cento a área preservada.

Não era chute. O cálculo foi feita pelo grupo de cientistas liderado pelo biólogo americano William Laurance, pesquisador do Smithsonian Tropical Research Institute, junto com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

O cientista ianque, autor de mais de cinquenta artigos e de dois livros sobre a região, vivia em Manaus e criara um modelo de previsão matemática do desmatamento, com base nas obras construídas na Amazônia. Estava indignado com o crime perpetrado contra a maior reserva florestal contínua do planeta, região que abrigava quinze vezes mais espécies de peixes que todos os rios europeus somados, guardava vinte por cento da água potável do mundo e possuía a maior linhagem de aves, primatas, roedores, jacarés, sapos, insetos e lagartos da Terra.

A sanha de um aproveitamento que ignora a biodiversidade e o patrimônio que mereceria outro trato, mais consentâneo com as fragilidades do planeta, previa pavimentação de oito mil quilômetros de estradas, a construção de mais de uma dezena de portos e quatro aeroportos novos ou ampliados, dois gasodutos, três usinas termelétricas, toda a segunda etapa da hidrelétrica de Tucuruí, mais a de Belo Monte, no rio Xingu e as hidrovias Araguaia-Tocantins, com quase três mil quilômetros e do Madeira, com mais de mil quilômetros. Além de milhares de quilômetros de linhas de transmissão de energia e de um novo trecho de mil e quatrocentos quilômetros da Ferrovia Norte-Sul.

O sacrifício do ambiente acompanha essa concepção de “progresso”. Com as estradas, destrói-se uma faixa de cinquenta quilômetros de mata de cada lado. É o que se pode apurar mediante consulta ao acompanhamento real por satélite.

O cientista norte-americano não previu que a Amazônia iria atrair o pior que existe em termos de criminalidade organizada. Grileiros, dendroclastas, exploradores de minério em áreas de demarcação indígena, a ocupação indiscriminada e ilegal de reservas ambientais, parques nacionais, a confusão fundiária aparentemente insolúvel, tudo agravou a situação naquele espaço abençoado pela Providência, amaldiçoado pelos homens.

A ação destrutiva tem início com a retirada da madeira. Em seguida, os madeireiros vão em busca de nova área e a terra arrasada vira pastagem. Não se fala em manejo florestal, que consiste em selecionar as árvores a serem cortadas, retirando-as com o menor dano possível aos exemplares em volta. Nada a ver com os “correntões” arrastados por dois tratores, que destroem por atacado. Nem haveria necessidade de fazer um replantio de espécies nativas. Seria apenas deixar que os espécimes mais jovens se desenvolvessem naturalmente.

Isso não passa pela cabeça da cupidez ignorante que prefere matar sua galinha dos ovos de ouro. Enquanto isso, quando governos não se aliam à exploração nefasta dos recursos naturais, incentivando todo o tipo de devastação irresponsável, faz o seu “credo” no potencial da floresta, mas fica na zona dos discursos estéreis e das promessas vãs.

A Amazônia não é infinita, nem invulnerável. Aquilo que poderia parecer uma indestrutível massa vegetal plantada sobre rios imemoriais, é, na verdade, um frágil sistema sujeito a se desintegrar diante do menor abalo. Há oitenta milhões de anos, a floresta era um braço de mar. Foi posteriormente um pântano por longo período, converteu-se em cerrado até mais ou menos um milhão de anos atrás. É enorme e crescente o risco de que, na próxima etapa, a mata seja substituída por um descampado. A savanização da Amazônia e sua consequente desertificação.

O fim está muito mais próximo do que se poderia imaginar. A seca recente causa danos cumulativos. A água armazenada no solo não volta aos níveis normais. A mata fica mais sujeita à destruição. O fogo acaba com o que resta. Será que ninguém presta atenção a isso? O resultado é que todos, sensíveis ou insensíveis, detratores do ambiente ou seus defensores, ricos e pobres, todos sofrerão os efeitos do desaparecimento desse Paraíso devorado pela ganância e pela crueldade.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 19 01 2024



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