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COMO NASCEU O CULTURA ARTÍSTICA
Acadêmico: José Renato Nalini
Um grupo que se reunia nas dependências de “O Estado de São Paulo”, comandado por Nestor Pestana, resolveu fundar uma sociedade que tomou o nome de “Cultura Artística”.

Como nasceu o Cultura Artística

O famoso e respeitado “Cultura Artística” nasceu dentro do “Estadão”. Sim, foi em 1912 que um grupo que se reunia nas dependências de “O Estado de São Paulo”, comandado por Nestor Pestana, resolveu fundar uma sociedade que tomou o nome de “Cultura Artística”. O propósito era inicialmente modesto: congregar intelectuais e músicos para saraus mensais.

Bem modestos os objetivos primeiros, cada família associada pagava módica mensalidade de três mil réis. Coube a Amadeu Amaral a noite de estreia. Faria uma conferência ilustrada com versos ditos por Heloísa, irmã de Laura Oliveira Rodrigo Octávio.

Seguiram-se outras reuniões, com a presença de Olavo Bilac, Emílio de Menezes, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, José Feliciano de Oliveira, Júlia Lopes de Almeida e outros.

Os professores de música foram convidados para organizar programas e assim é que, no sarau do Professor Félix de Otero, Laura Rodrigo Octávio, como sua discípula, se apresentou com três peças de autores brasileiros: “Pierrot se meurt”, de Henrique Oswald, “Galhofeira”, de Alberto Nepomuceno e “Scherzo”, de Carlos Guimarães. Quem é que ainda toca essas produções genuinamente nossas?

Na mesma noite, cantou a senhora Wright do Rio de Janeiro e Laura a acompanhou nas duas árias do “Sansão e Dalila” de Saint-Saëns.

Por haver bem nascido, o “Cultura Artística” foi se impondo e alçando vôo. Em 1915, houve uma série de conferências. Alfredo Pujol falou sobre Machado de Assis e Affonso Arinos, profeticamente, abordou as “Lendas Amazônicas”. Em virtude das exposições de Affonso Arinos, Numa de Oliveira encomendou a Wasth Rodrigues desenhos inspirados nas lendas das Amazonas. Em seguida, mandou-as à Europa a fim de serem reproduzidas em tapeçarias de Aubusson, ostentadas na sala Luís XVI do salão da Avenida, a bela residência dos Numa Oliveira. O grande vitral da escada era do mesmo artista e representava a lenda da Yara, com texto de Arinos e confecção de Conrado Sorgenicht.

Foi em virtude das conferências sobre Machado de Assis que Alfredo Pujol teve coragem de se candidatar à Academia Brasileira de Letras e ser eleito.

Diz a crônica ser Affonso Arinos um exímio orador. Tinha voz agradabilíssima, com sotaque mineiro e sabia, como poucos, vestir uma casaca. Naquele tempo, se algumas coisas eram simples, para outras a casaca se impunha. Arinos sabia conjugar o uso de uma indumentária sofisticada, com a maneira tão simples, tão cabocla e tão natural do interior do Brasil.

Posteriormente, o Cultura Artística passou a receber grandes nomes internacionais. A certa altura, quando já consolidado, tomou-lhe a direção Esther Mesquita, filha de Júlio Mesquita e mulher de extraordinária erudição e senso de responsabilidade das elites em relação à sociedade. Cultivou o espírito não por mero diletantismo, porém por abeberar-se na melhor literatura francesa, inglesa, alemã e brasileira. Também conhecia profundamente música e chegou a executar, como violinista, inúmeras peças bem difíceis. Henrique Oswald dedicou-lhe uma peça de sua autoria. Por isso Esther conferiu enorme brilho à Cultura e, na sua gestão, a duras penas, construiu-se espaço próprio para não mais depender do Teatro Municipal e dar musculatura a uma instituição que nasceu vinculada ao campeão na defesa da liberdade e do patriotismo.

Numa de Oliveira, pai de Laura Rodrigo Octávio, era presidente do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo e acompanhou a luta de Esther para a edificação da sede própria. Por ser amigo de Júlio Mesquita, pai de Esther, ele muito colaborou – e concretamente – para que o Cultura Artística se erguesse majestoso.

Tão amigos eram Numa e Júlio, que no casamento de Laura com Rodrigo Octávio Filho, o presente de Júlio Mesquita para a noiva foi um brilhante de preciosos quilates. É importante resgatar episódios da História que evidenciam a presença do cimento que fortalecia os vínculos familiares nos anos em que São Paulo se consolidava como grande potência brasileira. Vê-se que, a despeito da política, sempre perversa, os valores tradicionais se impunham e geravam excelentes resultados.

Que o novo Cultura Artística, de reconstrução tão bem-vinda quanto esperada, se abebere dessa gênese, para recobrar a força que já teve no melhor tempo da paulicéia e, dentro de seus genuínos objetivos, contribua para a retomada do verdadeiramente belo em nossa cidade.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 16 01 2024



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