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É PROIBIDO PENSAR
Acadêmico: José Renato Nalini
A humanidade é insuscetível de se homogeneizar. Todos somos singulares, irrepetíveis, únicos.

É proibido pensar


A patrulha do “politicamente correto” converteu-se em algo “politicamente chato”. Cerceia-se a linguagem, cerceia-se o pensamento, o ideal será a homogeneidade impossível e antagônica ao pluralismo. Este, sim, um princípio expressamente acolhido pela nossa ordem fundante.

A humanidade é insuscetível de se homogeneizar. Todos somos singulares, irrepetíveis, únicos.

Em tempos de censura expressa e tácita disseminada em todos os espaços, é interessante mergulhar no pensamento de pessoas que ousaram. Uma delas, o Conde Joseph-Marie de Maistre, (1753-1821) escritor, filósofo, diplomata e magistrado. É considerado um dos mais aguerridos defensores do pensamento contrarrevolucionário ultramontanista, logo após à Revolução Francesa de 1789.

Sobre ele, Emil Cioran (1911-1995), o filósofo romeno radicado na França escreveu um texto que consta do livro “Exercícios de Admiração”. Aquilo que Cioran escreveu seria objeto de “cancelamento” em nossos dias. Ele é comparado a Nietzsche ou São Paulo, como intelectual com gosto e talento para a provocação. “Elevando o menor problema ao nível do paradoxo e à dignidade do escândalo, manejando o anátema com uma crueldade combinada com fervor, ele criou uma obra rica em excessos, um sistema que não cessa de nos seduzir e nos exasperar”, diz Cioran.

Ele sabia externar de forma sedutora “a eloquência de suas cóleras, a paixão que colocou a serviço de causas indefensáveis, sua obstinação em legitimar diversas injustiças, sua predileção pela fórmula homicida”, tudo a torna-lo alguém que, se não consegue convencer o adversário, logo o aniquila de saída, com argumentos irrespondíveis.

Os livros de Maistre, por conterem “uma raiva tonificante”, nunca aborrecem. Seu espírito, simultaneamente rue e elegante, lembra um profeta do Antigo Testamento. O que diriam hoje eventuais leitores de sua obra, diante de frases como: “Tudo é milagrosamente ruim na Revolução Francesa”. Ou “O maior inimigo da Europa, que é preciso asfixiar por todos os meios que não sejam criminosos, a úlcera funesta que se agarra a todos os impérios e que os corrói sem cessar, o filho do orgulho, o pai da anarquia, o solvente universal, é o protestantismo”. Para outros, a substituição de “protestantismo” por “catolicismo” é que ostentaria a verdade.

Ele também escreveu: “Em primeiro lugar, não existe nada tão justo, tão sábio, tão incorruptível como os grandes tribunais espanhóis e, se acrescentarmos ainda a esta característica geral, a do sacerdócio católico, ficaremos convencidos, antes de qualquer experiência, de que não pode haver no universo nada mais calmo, mais circunspecto, mais humano por natureza do que o Tribunal da Inquisição”.

Essa afirmação vem a calhar, porque os zeladores do padrão “politicamente correto” estão sempre a postos, para advertir, admoestar, recriminar e censurar quem resvala na utilização de uma palavra condenada. Condenada por critérios discutíveis, mas considerados dogmas por esses guardiões da “ética morna”. Esquecem-se de que o próprio Cristo afirmou que os humanos deveriam ser quentes ou frios em suas convicções, pois os mornos, Ele vomitaria de Sua boca...

O certo é que “não existe grande personalidade que não tenda para algum exagero”, disse Maistre. E Cioran observa que, ao falar assim, ele sem dúvida pensava em si mesmo. Só que o tom furioso de Maistre em sua obra, contrastava com o excelente relacionamento mantido com seus amigos.

Para escrever era implacável. E isso faz recordar que o uso das redes sociais, em que as pessoas estão sozinhas com a sua tela, do computador pessoal ou do celular, e tendem ao delírio, comprometem o julgamento e são presas da ilusão da onipotência.

Quem escreve sem destinatário, ou longe dele, coloca-se na posição de árbitro da verdade. Daí as ofensas, que podem caracterizar crime contra a honra, na forma de injúria, calúnia ou difamação. Ainda que tarde a prometida regulamentação da Inteligência Artificial ou do mundo web, aquilo que vale para o comportamento pessoal tradicional, vale também para o universo virtual. Ofender por whatsApp, Instagram, Facebook ou qualquer outra modalidade comunicativa de nossa era tipifica um delito.

Tais reflexões partiram do exagero do controle da palavra e até do pensamento, imposto por aqueles que se consideram os exclusivos titulares da moral de nossa civilização. Cada época tende a pensar que é a última. A nossa pode vir a sê-lo, pois o apocalipse está aí, sob a forma de mudança climática. Pensemos em fórmulas de salvar a humanidade, em lugar de tutelá-la ou de adestrá-la para que todos pensem de forma igual.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 13 01 2024




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