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Acadêmico: José Renato Nalini Releio, com enorme prazer, o livro “Pitigrilli fala de Pitigrilli”, e redescubro o talento de Dino Segrè, que adotou esse pseudônimo e que se tornou famoso.
Atualíssimo Pitigrilli Releio, com enorme prazer, o livro “Pitigrilli fala de Pitigrilli”, e redescubro o talento de Dino Segrè, que adotou esse pseudônimo e que se tornou famoso. Quando lhe perguntavam o por que do pseudônimo, respondia que fazia questão de colocar “todos os pingos nos “is”. Nasceu em Turim, em 9.5.1893 e ali morreu em 8.5.1975. Foi jornalista e suas críticas eram ácidas. Escreveu inúmeros livros: Mamíferos de luxo, O Cinto da castidade, Cocaína, Ultraje ao Pudor, a Virgem de 18 quilates, O Experimento de Pott, Os Vegetarianos do Amor, Loura Dolicocéfala, A Maravilhosa Aventura, a Piscina de Siloé, O Farmacêutico a Cavalo, O Deslize do Moralista, Moisés e o Cavaleiro Levi e Nossa Senhora de Miss Tif, entre outros. Um dos últimos foram suas memórias, escritas de 5 de maio a 15 de junho de 1948, quando estava em Buenos Aires. Sem consultas, só de memória, resgatou quase toda sua vida, a discorrer com naturalidade e em linguagem acessível. O livro merece leitura, porque – embora escrito na primeira metade do século passado – tem observações muito apropriadas para nossos dias. Por exemplo, a lição do desapego. Ele narra que, em 21.11.1942, caíram sobre sua casa duas bombas inglesas “e a transformaram num montão de ruínas. Perdi todos os meus móveis antigos, as minhas obras de arte, as tapeçarias, os Sèvres e os Capodimonte, uma bela coleção de vasos da antiga civilização sul-americana, lembrança de um tio que foi diplomata em Lima, no México, em Quito e Bogotá. Aqui e ali, entre os destroços, encontrei folhas soltas daquela que fora a minha biblioteca de 20 mil volumes, composta durante as minhas vagabundagens pelo mundo: para um escritor, a biblioteca não é os quatro metros de livros com os quais o comerciante de móveis enche uma estante, mas sim toda a vida de seu espírito: opúsculos, edições raras, coleções de jornais, que se completam com o auxílio do acaso, o socorro de um amigo, a homenagem de uma inteligente desconhecida. Todos os móveis da casa têm a sua história: velhos armários que possuem personalidade própria, porque estão carregados de tempo; poltronas e escrivaninhas sobre cujos braços e sobre cujos tampos deixamos uma parte do nosso sono, dos nossos sonhos, do nosso tormento, do nosso tédio, de nossa meditação. Nós nos plasmamos sobre os nossos móveis e os nossos móveis se plasmam sob nós. Depois de algum tempo, existe entre nós e eles uma espécie de “simbiose”. Pitigrilli estava a lamentar essa formidável perda de todos os seus haveres? Não. Diz que “o desmoronamento da minha casa foi para mim uma preciosíssima lição. Aprendi que não devemos apegar-nos às coisas, porque um dia as coisas nos abandonam. Aprendi que se pode muito bem viver sem livros, porque os livros se acham nas bibliotecas e livrarias, e porque, no fundo, quando se possuem 20 mil volumes, pode acontecer que de tempos a tempos se consulte um, e todos os outros são apenas o compêndio da nossa vaidade de colecionadores. Tornei a pensar nas pequenas tragédias da minha infância, por uma asa de açucareiro partido, nos ralhos de minha mãe feitos à arrumadeira por causa do verniz arranhado de um móvel, no desgosto experimentado anos atrás, porque um porteiro de hotel, em Amsterdam, colara um rótulo sobre uma bela maleta de crocodilo...E agora, bastou que um bombardeiro pusesse em movimento sua máquina, uma fração de segundo antes, ou uma fração de segundo mais tarde, para demolir tudo quanto fora o meu passado, a minha paciência, o meu amor”. Enquanto vasculhava o que restara de sua casa, à procura de um documento, de uma foto, de uma lembrança que não perecera, tocou o telefone. O único objeto salvo. Que valeu, para Pitigrilli, como um chamado ao recomeço. Ele se pôs de novo a escrever em casa de amigos. Uma nova mocidade ressurgia nele. “Eu perdera todos os meus apontamentos para futuros trabalhos. Pensei em novos temas de romances, e comprei um caderno novo, no qual anotei as minhas novas ideias, e convenci-me de que se vive otimamente sem possuir mais apetrechos além de uma caneta-tinteiro e uma maleta. Tudo quanto não está dentro de uma maleta é supérfluo. Diógenes jogou fora a sua tigela de madeira ao ver um menino que se servia das mãos para beber numa fonte”. Quem de nós estaria disposto a abrir mão de tudo o que é material, para se contentar com o mínimo essencial para sobreviver? Acumular, convencer-se de que se é “dono”, é algo instintivo aos humanos. Embora saibam que não levarão nada consigo quando da partida definitiva, refugiam-se no sentimento de posse e se iludem. Gerando trabalho para os advogados, responsáveis pela partilha do espólio. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 03 01 2024 voltar |
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