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Acadêmico: José Renato Nalini Favoritismos, intrigas, perseguição, ocorrem nos mais variados estamentos. A diplomacia brasileira não poderia fugir à regra.
Proteção x perseguição A História não costuma registrar os bastidores. Só por acaso é que se tem uma noção do que de fato ocorre e que não chega a conhecimento da maioria. De quando em vez, alguém resolve enfrentar a verdade e alguma coisa ignorada vem à tona. Disputas intestinas por cargo, por influência, por proximidade com a sede do poder, conferem tom bizarro a episódios que passariam desapercebidos, não fora a inconfidência dos protagonistas. Em suas reminiscências de diplomata, Manuel Oliveira Lima se propõe a desconstruir o conceito de alguns contemporâneos. Por razões de convívio e de evidente competição, escolheu Joaquim Nabuco e o Barão do Rio Branco para descaracterizar seus perfis completos e acabados. Questiúnculas, implicâncias, coisas de somenos, importaram em danos irreparáveis para pessoas que mereceriam outro tratamento. Por exemplo: David Campista, que foi ministro de Afonso Pena e não enriqueceu no ministério, como outros colegas seus, foi indicado para um posto diplomático pelo Presidente Nilo Peçanha. Rio Branco se opôs, porque David Campista, que cultivava a ironia, estranhara o custo de quarenta contos de um banheiro que o Barão fizera construir para ele no Itamarati. Após grande empenho do Presidente, indicou-o para Copenhague, posto considerado desimportante. Enquanto isso, para Londres confiou a embaixada a Régis de Oliveira, “por quem o próprio Rio Branco não professava consideração alguma, tendo-o qualificado de “pedaço de asno”. Oliveira Lima completa: “para ter a sorte de que desfrutou na carreira, chegando a subsecretário e falecendo como embaixador, valia a pena ser até asno inteiro”. O termo empregado pelo barão evidencia o critério por que se pautavam as seleções no corpo diplomático. Oliveira Lima estava no Japão e antes da posse de Rodrigues Alves haveria movimento diplomático. Seu primo Afonso de Miranda foi indagar a Campos Salles, de quem era amigo, qual seria o destino de Oliveira Lima. O Presidente campineiro respondeu: “Não se preocupe, porque ninguém mais do que eu, tem em conta o Oliveira Lima, que é uma glória nacional”. Ao que o primo respondeu: “Olhe, Sr. Campos Salles, meu primo pensa nestas coisas exatamente como eu. Prefere ser um canalha nacional com um bom posto, a ser uma glória nacional com uma ruim legação!”. Oliveira Lima faz reparos ao caráter do Barão do Rio Branco: “o ciúme de Rio Branco, que era vingativo, não consentiu que Dionísio Cerqueira, igualmente plenipotenciário, assinasse sequer em segundo lugar a memória de Washington para cuja elaboração contribuíra diretamente com suas pesquisas”. O amor próprio de Rio Branco era tamanho, que ficou satisfeito quando Joaquim Nabuco perdeu a questão sobre as Guianas. Preferia que o colega não brilhasse, a ver a vitória do Brasil numa causa justa. O desaire de Oliveira Lima atingia também o pai do Barão: “O visconde do Rio Branco, que foi na política interna um verdadeiro estadista, a quem o filho (o Barão) muito justamente admirava procurando seguir-lhe as pegadas, não desdenhava a corrupção como arma de governo, antes a empregava com a sem cerimônia de um Walpole, e usando do seu dom de fascinação, que aliás tanto o barão do Rio Branco como Joaquim Nabuco possuíam em alto grau”. Também atribui a Rio Branco uma crença religiosa falaciosa, que Henri Heine chamaria de “clarões caniculares de vapores fosforescentes de espasmos da fé. A religiosidade de Nabuco, como a de Rio Branco, era antes de forma do que de essência: este andava no bolso com um rosário em que não rezava, à laia de amuleto contra os maus olhados; aquele fazia aos domingos oração na capela de Santo Antonio, do Oratório de Bompton Road”. Rio Branco, ao ocupar o Palácio do Itamarati como Ministro das Relações Exteriores, vivia “metido na sua toca – o aposento que mandara preparar, com um banheiro cujo custo espantara o escrupuloso ministro da fazenda David Campista que, cultivando a ironia, dissera não ter dúvida alguma em ordenar o pagamento da obra, mas que não desgostaria de admirá-la, pois que nunca em sua vida soubera de banheiro tão caro. Nesse aposento, onde só o banheiro era artigo de luxo, ou antes, de preço, pontificava o chanceler entre a sua roda de fâmulos diplomáticos, para os quais já cessara de ser novidade a caricatura de Zebellos dependurada à cabeceira da cama do patrão no lugar costumeiro dos santos e representando o brasileiro dando um pontapé no posterior do argentino”. Favoritismos, intrigas, perseguição, ocorrem nos mais variados estamentos. A diplomacia brasileira não poderia fugir à regra. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 01 01 2024 voltar |
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