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INTRIGAS NO ITAMARATI
Acadêmico: José Renato Nalini
Por sorte nossa, hoje não existem mais intrigas na diplomacia brasileira.

Intrigas no Itamarati

Ninguém se ilude a acreditar que em nichos de erudição inexistam baixezas. O ser humano é feito dessa matéria frágil e defeituosa, que se deixa contaminar por sentimentos inferiores. A ilustração cultural apenas sofistica a forma pela qual as maldades são perpetradas.

O Itamarati, que é a mais venerada fórmula de preparação de profissionais singulares, como os diplomatas, não foge à regra. Pode ser que os embates se travem com “punhos de renda”. Mas eles existem. Por pudor ou natural reserva, os bastidores não chegam a conhecimento da plebe. Salvo quando algum ressentido os registra para divulgação póstuma.

Oliveira Lima, que serviu à carrière durante décadas, em suas “Memórias” deixa claras as suas reservas quanto a dois monumentos pátrios: Joaquim Nabuco e o Barão do Rio Branco.

Em relação a Nabuco, inicia por elogiá-lo: “...tinha eminentes qualidades para representar brilhantemente o seu país. Tinha as maneiras de um aristocrata e os sentimentos de um gentleman; possuía a cultura de um verdadeiro intelectual e sabia usá-la com arte, e era um bonito homem”. Para, em seguida, partir para a ironia: “Numa das suas crises de bajulação futurista, o Sr. Graça Aranha disse que a formosura de Nabuco era apolínea. A comparação é infeliz. Nabuco tinha uma beleza viril e tanto que passavam despercebidas certas faceirices femininas de que tinha a fraqueza, como encostar-se ao comprido contra a parede para fazer realçar a sua esbelteza, ou tapar a metade da cara com um lenço à moda das mulheres árabes de antes da emancipação do sexo”.

Reconhece o charme de Joaquim Nabuco: “seus olhos tinham a expressão mais atraente, seu sorriso era cativante e da sua voz, que na oratória, tinha uns agudos estridentes, se podia dizer que ia direto ao coração sem parecer precisar de penetrar pelo ouvido”. Entra a analisar o caráter: “Havia mesmo uma certa dose de bondade na sua alma e creio que não foi ela de todo alheia ao seu papel saliente na campanha da abolição da escravidão, a qual foi mais que tudo um gesto político de sabor literário, inspirado pela filantropia inglesa”.

Inicia, então, leves críticas: “Joaquim Nabuco nunca poderia ter sido, como seu pai, o que se chama um estadista, porque o que lhe sobrava em bom gosto literário, lhe faltava em senso das realidades, aquilo que comumente se chama o senso prático no tocante às questões públicas”.

Narra o seu convívio com Nabuco desde criança, inclusive ter, aos quinze anos, escrito um artigo palpitante de simpatia, que valeu, em resposta, uma carta em que Nabuco dizia de Oliveira Lima: “mal sabia que no menino que lhe dava as notícias da última hora estava um jornalista em botão desabrochando rapidamente para o sol da publicidade”.

Em seguida, após reconhecer que o talento de escritor pode realçar uma figura diplomática, aduz que Nabuco não dominava a língua inglesa como Salvador de Mendonça. E que sua capacidade literária era um predicado secundário para a missão à qual Nabuco se dedicou e da qual só colheu frustração: a questão territorial com a Guiana Inglesa. Oliveira Lima atribui a Rio Branco haver dito que o português de Nabuco não se dava bem com a língua francesa e criticou a prolixidade dos memoriais brasileiros, com mais de mil páginas, enquanto a inglesa não chegava a cem. O comentário de Rio Branco teria sido: “Vou apostar que a memória inglesa diz mais na sua concisão e se lê com maior proveito”.

Na opinião de Oliveira Lima, o Barão de Rio Branco evidenciou íntima satisfação quando Nabuco perdeu a parada. Na noite em que soube do resultado, num jantar do Hotel dos Estrangeiros, Rio Branco dirigiu-se a Oliveira Lima, sem disfarçar seu contentamento: “Já soube do nosso fracasso?”. E continua, o memorialista, a tripudiar de Nabuco: “O maior defeito de Nabuco era a vaidade, do seu físico e do seu espírito. Ela o fazia egoísta e o levava à ingratidão. Rio Branco não era menos vaidoso nem menos egoísta, e tinha muito menos coração do que Nabuco, sendo mesmo desapiedado. Da sua alma não jorrava o leite da ternura humana. Era, porém, mais agradecido e mais serviçal do que Nabuco, por interesse, para provocar favores que ele sabia bem recompensar às custas do tesouro”.

Por sorte nossa, hoje não existem mais intrigas na diplomacia brasileira.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 28 12 2023



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